A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal concluiu, por 4 votos a 1, que Jair Bolsonaro cometeu tentativa de golpe de Estado e outros quatro crimes, fixando pena de 27 anos e 3 meses em regime inicial fechado. O relator, ministro Alexandre de Moraes, ressaltou o uso da máquina pública e a articulação política para gerar instabilidade e manter o ex-presidente no poder. A maioria foi composta por Moraes, Flávio Dino, Cármen Lúcia e Cristiano Zanin; Luiz Fux divergiu pela absolvição.
Segundo a Corte, os crimes incluem tentativa de golpe de Estado, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização criminosa armada, dano qualificado e deterioração de patrimônio tombado. A decisão é classificada como histórica por consolidar um entendimento sobre ataques às instituições. é a primeira vez que um ex-presidente é condenado por crime dessa natureza no Brasil. A dosimetria considerou, entre outros fatores, a idade de Bolsonaro e a aplicação de dias-multa.
STF condena Bolsonaro e outros réus: veja a lista
- Walter Braga Netto: 26 anos, regime inicial fechado.
- Anderson Torres: 24 anos, regime inicial fechado.
- Almir Garnier: 24 anos, regime inicial fechado.
- Augusto Heleno: 21 anos, regime inicial fechado.
- Paulo Sérgio Nogueira: 19 anos, regime inicial fechado.
- Alexandre Ramagem: 16 anos, 1 mês e 15 dias; perda do mandato determinada pela Turma.
- Mauro Cid: 2 anos, regime aberto, com atenuação por colaboração premiada.
As penas foram definidas caso a caso durante a dosimetria, com variação de dias-multa e sanções acessórias. No caso de Ramagem, a Primeira Turma determinou a perda do mandato parlamentar; a execução dessa medida suscita debates sobre o rito constitucional até o trânsito em julgado.
Como foi o julgamento e qual foi o placar
O resultado consolidou maioria de 4 a 1 pela condenação. Fux ficou isolado na divergência, questionando a competência do STF e defendendo absolvição do ex-presidente; a maioria rebateu, apontando atos concretos e a liderança do réu na trama. A sessão empregou documentos, vídeos e imagens exibidas em telões para sustentar as posições dos ministros.
Em nota, a defesa de Jair Bolsonaro afirmou receber a decisão “com respeito”, mas a classificou como “absurdamente excessiva e desproporcional”. Os advogados reiteraram que o ex-presidente “jamais participou de qualquer plano” e que pretende recorrer dentro do STF e em instâncias internacionais. Nesse sentido, a estratégia recursal deve incluir embargos e pedidos cautelares.
STF condena Bolsonaro: o que disseram os EUA?
O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, declarou-se “surpreso” com a condenação e comparou o caso brasileiro a acusações que enfrentou em seu país. Já o secretário de Estado, Marco Rubio, qualificou o julgamento como “caça às bruxas” e prometeu “resposta adequada” de Washington, mirando inclusive autoridades do Judiciário brasileiro. Por outro lado, o Itamaraty reagiu com nota em defesa da independência do Judiciário e da soberania nacional.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse não temer possíveis sanções americanas e afirmou que o Brasil reagirá “na medida em que as medidas forem tomadas”, mencionando instrumentos de reciprocidade, se necessário. Além disso, declarações de figuras políticas brasileiras também escalaram o tom do debate público.
Quais são os próximos passos?
Agora, seguem-se a publicação do acórdão, as intimações formais e os prazos para eventuais embargos. A defesa poderá questionar pontos da decisão e da dosimetria, buscar efeitos suspensivos e levar temas conexos ao Plenário por vias regimentais específicas, embora a regra geral seja a execução após os trâmites internos da própria Turma. Enquanto isso, os demais condenados respondem às mesmas etapas processuais, inclusive quanto a multas e efeitos políticos.
O julgamento reafirma a posição do STF diante de ataques à ordem constitucional, fixa parâmetros para responsabilização de lideranças políticas e militares e explicita como atos preparatórios e mobilizações institucionais podem configurar tentativa de golpe. Nesse sentido, a decisão sinaliza que a tutela do Estado Democrático de Direito permanece como prioridade do Judiciário, com impactos diretos na vida pública, no calendário eleitoral e na estabilidade institucional do país.
EUA vão retaliar o Brasil?
O deputado Eduardo Bolsonaro afirmou que os Estados Unidos poderiam, no futuro, enviar caças F-35 e navios de guerra ao Brasil caso o país “siga o caminho da Venezuela”, com eleições sem transparência, censura e prisões políticas. Ele classificou como “feliz” a declaração da porta-voz da Casa Branca, Karoline Leavitt, sobre o uso de meios militares para proteger a liberdade de expressão e defendeu que as autoridades brasileiras prestem atenção a esse discurso. Questionado sobre apoiar uma intervenção militar estrangeira, respondeu que “vale a pena pela pauta da liberdade”.
Na avaliação do economista e doutor em Relações Internacionais Igor Lucena, uma retaliação militar dos Estados Unidos está fora de cogitação “não faria sentido e geraria ruído interno nas próprias Forças Armadas americanas”. Por outro lado, ele considera plausíveis sanções direcionadas a autoridades brasileiras, inclusive ministros do STF, e, em um segundo estágio, medidas financeiras que poderiam alcançar bancos públicos, “tema que divide o Departamento de Estado e o Departamento do Tesouro”. Além disso, Lucena vê como possíveis restrições de vistos a integrantes da delegação brasileira em eventos da ONU e, num cenário mais extremo, a expulsão da embaixadora em Washington. “Não acredito em ação militar; esse não é o caso do Brasil”, conclui.
O que esperar do mercado após o STF condenar Bolsonaro
Na leitura de Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, boa parte do desfecho já estava no preço, portanto a reação imediata tende a ser contida. Além disso, o mercado observará se os Estados Unidos adotarão sanções extras, se forem focadas em autoridades, como ministros, o efeito deve ser limitado, se mirarem setores econômicos, o impacto pode ser maior. Nesse sentido, segue no radar a recente isenção total de importação de celulose, que pode favorecer empresas brasileiras do segmento. Por outro lado, um vetor político relevante à frente é a eventual declaração de apoio de Jair Bolsonaro, seja a um filho, à esposa ou a governadores, movimento com potencial de influenciar expectativas de fluxo e a precificação de ativos ligados ao ciclo eleitoral.
Tarifa de celulose: o recuo dos EUA vai continuar após a condenação?
A decisão dos Estados Unidos de retirar a tarifa de 10% sobre a celulose ocorreu no mesmo dia da condenação de Jair Bolsonaro pelo STF, o que levantou dúvidas no mercado sobre possível reversão. Nesse sentido, especialistas avaliam que a medida tende a ser mantida por razões essencialmente econômicas, e não conjunturais. Por outro lado, reconhecem que o ambiente político bilateral seguirá no radar para calibrar riscos setoriais e financeiros.
Para Gustavo Cruz, o corte “vai continuar porque tem outros países, não foi exatamente para o Brasil, foi sobre celulose no mundo como um todo”. Além disso, ele projeta que “a tendência é que mais setores americanos continuem a reclamar das tarifas, os preços ficam muito altos, e mais setores sejam isentados da tarifa de 50%”. Em outras palavras, o impulso da política tarifária pode ser suavizado por pressões domésticas de custo e oferta.
Já Vicente Zotti, cofundador do Grupo Pine, vê efeito de transbordamento. “Isso abriu espaço para que o café seja também isentado dessas tarifas”. Enquanto isso, ele alerta para um vetor de risco paralelo. “Novas retaliações poderiam vir em medidas de multas a bancos que não estão cumprindo a Lei Magnitsky e novos sancionados”. Nesse sentido, eventuais ações direcionadas no front financeiro, ainda que de menor probabilidade, seguiriam no monitoramento do mercado.
- Base econômica da decisão: alívio tarifário em celulose com alcance global, não restrito ao Brasil.
- Risco setorial: possibilidade de novas isenções em cadeias pressionadas por preço (como café), caso o lobby doméstico nos EUA avance.
- Risco financeiro: discussão sobre sanções e compliance sob a Lei Magnitsky, com atenção a bancos e fluxos.