O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), votou nesta quarta-feira (10) pela absolvição de Jair Bolsonaro e outros cinco réus acusados de participação nos atos de 8 de janeiro. Ao mesmo tempo, Fux condenou o ex-ajudante de ordens Mauro Cid e o general Walter Braga Netto por tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito.
No voto, Fux destacou que não houve provas de vínculo direto de Bolsonaro com os atos de depredação. Segundo ele, não se comprovou nexo causal entre discursos do ex-presidente e as invasões, tampouco “atos executórios” que configurassem golpe ou abolição violenta. Para o ministro, minutas e anotações privadas não seriam suficientes para fundamentar condenações.
Por que Mauro Cid e Braga Netto foram condenados por Fux?
Na avaliação de Fux, Mauro Cid e Walter Braga Netto ultrapassaram a esfera de preparação ao participar de planos como “Punhal Verde-Amarelo” e “Copa 2022”. O ministro mencionou reuniões, financiamento e monitoramento de autoridades como provas de passos concretos que representaram risco real à ordem constitucional.
Por outro lado, o ministro rejeitou a acusação de organização criminosa armada, afirmando que a Procuradoria-Geral da República (PGR) não demonstrou a existência de estrutura estável, divisão funcional ou crimes indeterminados. Quanto às acusações de golpe de Estado e abolição violenta, sustentou que o tipo penal exige violência e atos inequívocos, não alcançados por críticas ao sistema eleitoral, transmissões ao vivo ou reuniões políticas, considerados apenas preparatórios.
Quais foram as preocupações processuais levantadas?
No bloco preliminar de seu voto, Fux levantou pontos sobre a condução do processo. Ele questionou a competência do STF para julgar os réus após a perda do foro privilegiado e defendeu que o julgamento ocorresse no plenário, e não na Primeira Turma. Também mencionou cerceamento de defesa em razão da entrega tardia de 70 terabytes de provas, embora tenha validado a delação de Mauro Cid.
Ao longo da leitura, o ministro reforçou a necessidade de individualização das condutas, controle rigoroso do nexo causal e cautela no uso de provas indiretas. Segundo ele, manifestações políticas devem ser distinguidas de condutas penais, e apenas atos executórios com dolo inequívoco podem ser enquadrados como crimes contra a democracia.
Após Fux, qual o próximo passo do julgamento?
O julgamento de Jair Bolsonaro e outros sete réus por tentativa de golpe de Estado entra no quinto dia. O placar parcial está em 2 votos pela condenação, dos ministros Alexandre de Moraes e Flávio Dino, e 1 voto pela absolvição, de Luiz Fux. A sessão de hoje deve contar com o voto da ministra Cármen Lúcia e, em seguida, do presidente da Primeira Turma, Cristiano Zanin, que encerrará a fase de mérito.
Com a divergência aberta por Fux em uma sessão que durou mais de 13 horas, a expectativa é de que a votação desta quinta-feira seja decisiva para definir o resultado do processo.
Análise do voto de Fux
O analista de economia e política Miguel Daoud avaliou que o voto de Luiz Fux representa um reforço político para a defesa de Jair Bolsonaro, ao sustentar que não há provas individualizadas contra o ex-presidente e que muitos dos atos descritos pela acusação ficaram restritos ao campo da cogitação ou da preparação, sem execução concreta. “A tese de que o STF poderia não ter competência para julgar Bolsonaro após a perda do foro privilegiado abre margem para recursos ao plenário completo e até para revisões internacionais“, destaca. Ele destacou ainda que a divergência fragiliza a percepção de unidade institucional do Supremo, expõe fissuras internas sobre competência e interpretação dos crimes e deve ser usada politicamente por Bolsonaro e seus aliados no Congresso, inclusive para propor mudanças legais ou mobilizar apoio.
Na mesma direção, o doutor em direito internacional Solano de Camargo destacou que o voto de Fux, ao questionar a competência da Primeira Turma e ao absolver Bolsonaro de todos os crimes, oferece argumentos sólidos para recursos futuros e fortalece a narrativa de arbitrariedade. “A posição de Fux dá fôlego à base bolsonarista ao ser interpretada como uma “vitória simbólica”, mesmo que o placar até o momento siga desfavorável ao ex-presidente, com dois votos pela condenação“. Solano apontou também que a divergência expõe uma tensão institucional no STF, contaminando a imagem de coesão da Corte e trazendo questionamentos sobre o rito processual.
Solano observou ainda que, embora o ministro tenha levantado a preliminar de incompetência do STF em relação a Bolsonaro, optou por examinar o mérito para afastar os crimes imputados, distinguindo o caso dele do de Braga Netto e Mauro Cid, cuja condenação foi mantida. “Na verdade o voto de Fux deve ser lido de outra forma. Ele sustentou que Bolsonaro não deveria sequer estar sendo julgado pelo STF, por não ter mais foro privilegiado à época dos fatos“, avalia. Nesse raciocínio, a consequência lógica seria a anulação do processo quanto a ele. Ainda assim, o ministro optou por examinar o mérito como argumento subsidiário: se o julgamento fosse mantido, ele absolveria Bolsonaro por ausência de provas para os crimes imputados. Já em relação a Braga Netto e Mauro Cid, Fux entendeu que há materialidade e autoria comprovadas em alguns delitos, razão pela qual votou pela condenação deles.