O mercado acionário brasileiro tem renovado máximas nas últimas semanas, sustentado por otimismo em torno de um possível corte de juros nos Estados Unidos e expectativas eleitorais domésticas. Apesar do cenário favorável, chama atenção a saída de investidores estrangeiros, que ainda não retomaram aportes relevantes na B3. Para analistas, essa divergência entre desempenho e fluxo merece observação.
Em entrevista à BM&C News, Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, destacou que a bolsa brasileira tem reagido a fatores externos e narrativas eleitorais, mas sem o suporte de capital internacional mais consistente. “Hoje, cerca de 64% a 65% das ações no Brasil estão nas mãos de estrangeiros. O impulso adicional virá de fora, independentemente da primeira leitura sobre quem pode vencer as eleições ou do desempenho recente das empresas locais”, explicou.
Quais fatores têm sustentado o movimento do mercado?
Segundo Cruz, o contexto global é decisivo. Nos Estados Unidos, a taxa de juros está em 4,5%, patamar considerado elevado em relação aos últimos 15 anos. Com a perspectiva de cortes, investidores tendem a procurar a renda variável, seja nos EUA, seja no Brasil. Além disso, spreads de crédito em níveis baixos reforçam a migração de capitais para ativos de maior risco.
No cenário doméstico, o otimismo do mercado também se alimenta da narrativa de alternância de poder em 2026. “Ainda que o governo atual mantenha índices relevantes de aprovação, há expectativa de disputa acirrada e isso tem sustentado apostas em um ‘trade eleitoral’, principalmente em estatais e companhias mais expostas ao ambiente político”, analisou o estrategista.
O paralelo com a Argentina serve de alerta?
O analista também traçou um paralelo com a recente experiência da Argentina, onde o mercado reagiu negativamente às dificuldades políticas do governo Milei. “Lá, havia uma expectativa de avanço rápido em reformas e governabilidade. Com a frustração, bancos internacionais retiraram recomendações, levando a uma forte correção”, lembrou.
Para o Brasil, Cruz a avaliação é de que, embora o governo conte com instrumentos fiscais e programas sociais que ampliam sua base de apoio, fatores como percepção de queda de renda e aumento da violência devem pesar no humor do eleitorado em 2026.
Perspectivas para 2026 e os riscos para o mercado
Gustavo Cruz destacou três pontos de atenção para o mercado até o próximo ciclo eleitoral:
- Inflação: as expectativas têm um teto limitado de revisões para baixo, considerando possíveis medidas de estímulo em ano eleitoral;
- Empresas estatais: tendem a ser penalizadas em caso de reeleição do governo atual, dada a influência política sobre seus conselhos;
- Percepção social: embora a taxa de desemprego esteja em mínimas históricas, apenas 18% da população dizem ter sentido melhora de renda nos últimos 12 meses, enquanto 38% relatam queda.
Além disso, Cruz observou que a violência surge pela primeira vez como principal preocupação de quase 30% dos eleitores, algo inédito em disputas presidenciais no Brasil. “Esse pode ser um calcanhar de Aquiles para o governo, já que o tema tende a ocupar espaço central no debate eleitoral”, afirmou.
O que esperar para o fim do ano?
Na visão do estrategista, o mercado continuará sensível aos movimentos externos, especialmente à condução da política monetária americana. Mesmo sem forte fluxo estrangeiro no curto prazo, a tendência de alocação em ações deve ganhar tração com a redução dos juros nos EUA. “O Brasil acaba sendo empurrado para cima ou para baixo por fatores que muitas vezes não estão nas nossas fronteiras”, concluiu Cruz.
Assim, embora o ambiente doméstico mantenha incertezas, o cenário internacional pode seguir favorecendo a renda variável no país, ainda que de forma descontínua. O desafio será equilibrar otimismo com prudência diante da proximidade do ciclo eleitoral e de suas implicações econômicas.