O debate em torno dos juros no Brasil ganhou ainda mais relevância nos últimos meses, especialmente diante da expectativa de que o Banco Central inicie um novo ciclo de cortes na taxa Selic. O estrategista-chefe Gustavo Cruz, da RB Investimentos, avalia que uma eventual redução para 12% pode representar um alívio marginal, mas não necessariamente será suficiente para destravar o ambiente de investimentos no país. Para ele, o fator determinante não é apenas o custo do crédito, mas a confiança empresarial, que segue em patamares historicamente baixos.
Além disso, Cruz destaca que a política monetária sozinha dificilmente terá impacto expressivo caso não seja acompanhada por avanços em outras frentes, como previsibilidade fiscal e estabilidade institucional. Enquanto setores produtivos aguardam uma sinalização mais concreta sobre o ritmo dos cortes de juros, o empresariado continua cauteloso em realizar aportes relevantes. Nesse sentido, a economia brasileira enfrenta o dilema entre reduzir a Selic pode não gerar os efeitos esperados se a percepção de risco não for corrigida.
O corte de juros será suficiente para estimular a economia?
Nesse contexto, surge a questão: até que ponto um corte na taxa Selic pode impulsionar a atividade econômica? Segundo o economista, a redução é um passo importante, mas não garante por si só a retomada da confiança. As empresas ainda analisam fatores como custo de insumos, instabilidade política e crescimento da demanda interna antes de retomar projetos de expansão. Assim, o impacto dos cortes pode ser limitado se não houver um ambiente macroeconômico mais favorável.
Por outro lado, o histórico recente mostra que reduções mais consistentes dos juros em ciclos anteriores contribuíram para aliviar o custo do crédito e ampliar a margem de investimento em setores estratégicos, como infraestrutura e indústria de transformação. A diferença, agora, está no cenário global,: a economia mundial vive um período de incertezas, com a desaceleração da China e as tensões comerciais envolvendo os Estados Unidos, o que limita as perspectivas de crescimento das exportações brasileiras.
Impactos setoriais da redução da Selic
O efeito de cortes na taxa de juros tende a se manifestar de forma desigual entre os setores. O crédito imobiliário, por exemplo, é altamente sensível a variações na Selic, o que pode gerar impacto positivo no consumo das famílias e no setor de construção civil. Já áreas como comércio varejista e serviços dependem mais do nível de renda da população e da confiança do consumidor, fatores que não estão diretamente atrelados à taxa básica de juros.
- Indústria: possibilidade de barateamento do crédito para modernização e aumento da produção.
- Setor imobiliário: maior estímulo para financiamento habitacional, com reflexos na geração de empregos.
- Varejo: efeito indireto, condicionado ao aumento da confiança do consumidor.
- Serviços: dependência de renda e do nível de consumo das famílias.
Nesse sentido, a queda dos juros precisa estar acompanhada de políticas que fortaleçam a competitividade, reduzam a burocracia e deem maior segurança ao investidor. Caso contrário, o efeito prático será restrito.
Confiança empresarial como fator-chave na decisão de juros
Um dos pontos enfatizados por Gustavo Cruz é que o investimento privado depende fortemente da percepção de estabilidade. Enquanto a Selic é um instrumento de estímulo ou contenção da demanda, a confiança empresarial está diretamente relacionada a fatores como previsibilidade regulatória, carga tributária e perspectiva de crescimento sustentável. Ou seja, mesmo com juros mais baixos, empresas podem optar por manter o capital reservado diante de incertezas sobre o futuro da economia.
Enquanto isso, o mercado financeiro acompanha de perto as decisões do Banco Central, avaliando não apenas a magnitude, mas também a sinalização sobre o ritmo dos cortes. A comunicação da autoridade monetária, portanto, tem peso semelhante ao próprio movimento da taxa, já que define expectativas e orienta a tomada de decisão dos agentes econômicos.
Para o estrategista-chefe da RB Investimentos, a trajetória da Selic ao longo dos próximos meses dependerá de dois elementos centrais: a dinâmica da inflação e a consistência do ajuste fiscal. Se houver avanços na redução do déficit público e nas reformas estruturais, o Banco Central terá mais espaço para acelerar o ciclo de cortes de juros. Caso contrário, a redução pode ser mais lenta e cautelosa, para evitar pressão inflacionária.