O presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu uma entrevista recente à radio Itatiaia, na qual alfinetou o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Lula disse o seguinte: “Temos que reconhecer que o [ex-presidente Jair] Bolsonaro tem uma força no setor da extrema-direita muito grande. O Tarcísio vai fazer o que o Bolsonaro quiser. Sem o Bolsonaro, ele não é nada, ele sabe disso”. Com essa frase, alinhou o governador à extrema-direita, afirmou que ele é apenas um títere do ex-capitão e minimizou os quase 14 milhões de votos paulistas que derrotaram o seu candidato, o hoje ministro Fernando Haddad.
Ao eleger Tarcísio como alvo, Lula pretende antecipar a campanha de 2026 e, com esse movimento, tem quatro objetivos.
O primeiro é obrigar o governador a se assumir como candidato, aproveitando o vácuo que existe hoje na direita. Assim, tem a chance de provocar oportunidades para eventuais deslizes que seriam explorados no ano que vem. O segundo é jogar a militância petista contra Tarcísio, criando uma onda de críticas que podem prejudicá-lo antecipadamente e reduzir seu cacife eleitoral.
A intenção também é pintar o governador como um político de extrema-direita, para afastá-lo do eleitor de centro e manter a polarização existente no país em alta, mesmo com a eventual retirada de Bolsonaro do palco. Por fim, ao chamar a atenção para Tarcísio, Lula quer incitar a raiva de dois dos irmãos Bolsonaro, Eduardo e Carlos.
A dupla bolsonarista prefere manter a herança política do pai entre a família – e abrir as baterias contra Tarcísio mesmo que ele tenha mais apoio político e potencial nas urnas. A lógica de Eduardo é tortuosa: prefere perder como protagonista do que ganhar como coadjuvante.
Mas aparentemente Tarcísio tem um aliado na família do ex-presidente: Flávio Bolsonaro. Na pior das hipóteses, o senador fluminense está neutro nessa disputa. “Eu e Tarcísio estamos nos falando com frequência e nosso foco agora é a anistia”, disse ele ao jornal “O Globo”. De fato, o governador declarou que seu primeiro ato, caso eleito presidente da República, seria indultar Bolsonaro.
O governador também tem se arriscado a comentar temas nacionais, mas ainda não assumiu explicitamente a sua candidatura. Neste movimento, há um risco para ele. Caso se transforme em um pré-candidato de fato, ele teria de dedicar mais tempo à campanha, viajando pelo Brasil. Isso tiraria tempo de sua agenda no Palácio dos Bandeirantes – algo que seria explorado com força pelas lideranças petistas.
Por isso, espera-se que o governador – caso aceite mesmo a missão de concorrer ao Planalto – tenha sangue frio para retardar ao máximo sua candidatura. Com isso, vai reduzir os ataques dos adversários e ter tempo para que emissários consigam reduzir o fogo amigo (leia-se: Carlos e Eduardo Bolsonaro).
Na disputa pelo espólio do bolsonarismo, Tarcísio virou o primo bem-sucedido que incomoda o filho ressentido, que confunde legado com direito adquirido. Eduardo, no entanto, está rosnando mais do que articulando, um erro crasso quando se trata de política.
No meio deste fogo amigo, o Centrão já encontrou o preferido: vai de Tarcísio. E ninguém articula melhor em Brasília do que Ciro Nogueira, Arthur Lira, Elmar Nascimento, Aguinaldo Ribeiro, Marcos Pereira e companhia. Talvez o jogo já tenha sido perdido por Eduardo Bolsonaro antes mesmo de começar.