A nova regra da Receita Federal inaugura um marco na supervisão do ecossistema financeiro, a partir de agora, fintechs passam a cumprir obrigações fiscais equiparáveis às dos bancos tradicionais. Na prática, a e-Financeira torna-se a espinha dorsal de transparência, exigindo o envio regular de informações de clientes e operações, com granularidade e periodicidade padronizadas. O objetivo declarado é elevar a rastreabilidade e reduzir espaços para opacidade.
Segundo Wagner S. de Moraes, CEO da A&S Partners, a mudança “coloca todo mundo na mesma régua: mais governança, mais estrutura, menos improviso”. Além disso, a formalização elimina zonas cinzentas que, embora não fossem regra para todas, ainda permitiam assimetrias de reporte entre players digitais e bancos. Nesse sentido, a equiparação regulatória eleva o patamar de compliance de todo o setor.
O que exatamente muda para as fintechs?
Com a Instrução Normativa RFB nº 2.278/2025, instituições reguladas passam a entregar, via e-Financeira, um conjunto ampliado de dados, de forma semestral e padronizada. O escopo cobre vida financeira do cliente e eventos cadastrais relevantes, com foco em rastreabilidade e consistência dos registros.
- Eventos cadastrais: abertura e fechamento de contas e wallets, alterações de perfil e status.
- Saldos e movimentações: posições ao fim do período e fluxos transacionais agregados.
- Produtos e operações: previdência, investimentos e, quando couber, operações com criptoativos no perímetro exigido.
- Ritmo de reporte: semestral, alinhado ao calendário oficial da e-Financeira.
“Não basta o fechamento anual. A exigência traz ciclos regulares de transparência e consolida a supervisão contínua.”, destaca Moraes.
Quem está dentro do alcance da norma?
A equiparação vale para fintechs reguladas pelo Banco Central, sem exceções explícitas. O grupo inclui:
- Instituições de Pagamento (IPs) de todas as modalidades autorizadas;
- Sociedades de Crédito Direto (SCDs) e Sociedades de Empréstimo entre Pessoas (SEPs);
- Iniciadores de pagamento inseridos em arranjos autorizados.
Na avaliação de Moraes, o movimento apenas consolida práticas que muitos já vinham adotando. “IPs e SCDs já convivem com CADOCs, PLD/FT, governança e capital mínimo. O que muda é a régua ficar ainda mais alta e uniforme.”
Prazo de adaptação e informações de prazos
O calendário segue o padrão da e-Financeira, com vigência imediata da norma e primeiras entregas no ciclo corrente:
- 1º semestre de 2025: envio até agosto de 2025;
- 2º semestre de 2025: envio até fevereiro de 2026.
O não cumprimento pode gerar advertências, multas, bloqueios operacionais e danos reputacionais. “Não há espaço para erro: a expectativa é de entrega técnica e precisa”, reforça Moraes.
Que problemas recentes a norma pretende mitigar?
A medida surge na esteira de megaoperações que identificaram o uso indevido de estruturas financeiras digitais para lavagem de dinheiro, inclusive por meio de fundos e contas de passagem. Ao exigir reportes abrangentes e periódicos, a Receita fecha brechas de anonimato e eleva a capacidade de correlação entre movimentações suspeitas. “Quem opera dentro das regras ganha um reforço de confiança; quem vivia de opacidade, perde terreno”, resume o executivo.
Impacto na experiência do usuário: haverá mais atrito?
Em teoria, sim: validações cadastrais, checagens de identidade e controles transacionais tendem a ficar mais robustos. Por outro lado, a digitalização do onboarding e os fluxos de KYC/KYT automatizados já permitem manter jornadas rápidas. “A fricção pode ser quase invisível se o desenho de processos for bom. O usuário aceita etapas extras quando percebe mais segurança”, avalia Moraes.
Quanto isso custa e quem sente mais?
O reforço de compliance pressiona custos e as fintechs menores sentem primeiro. Será necessário investir em:
- Arquitetura de dados: captura, qualidade, lineage e trilhas de auditoria;
- Integrações sistêmicas: ERPs, core bancário, conectores de reporte e-Financeira;
- Equipes e governança: compliance, riscos, auditoria e jurídico regulatório;
- Controles PLD/FT: monitoramento em tempo real, listas, perfis e alertas;
- Segurança e LGPD: proteção de dados, minimização e bases legais.
Apesar do impacto imediato na margem, Moraes vê um benefício estratégico. “A chancela de credibilidade abre portas de funding e parcerias. O custo de curto prazo se converte em vantagem competitiva no médio prazo.”
A vantagem regulatória diminui porque obrigações de reporte se aproximam das bancárias, o que pode afetar tarifas e spreads, especialmente no crédito. Entretanto, as fintechs seguem ágeis, lean e segmentadas. “A disputa vai se decidir na eficiência operacional: quem fizer mais com menos continuará competitivo, mesmo com mais regras”, diz Moraes.
Como me preparar agora? (checklist prático)
- Mapeie dados críticos (contas, saldos, transações, eventos cadastrais) e aponte lacunas.
- Implemente governança de dados (dicionário, donos, qualidade, reconciliação, trilhas).
- Automatize o pipeline e-Financeira (extração, validação, consolidação e submissão).
- Reforce PLD/FT (modelos de risco, regras, alertas, investigações e case management).
- Revise políticas LGPD (base legal, retenção, minimização, segurança e DPO ativo).
- Teste cenários de auditoria (amostras, reconciliações, reproduzibilidade e evidências).
- Capacite times (compliance, risco, dados, tecnologia e operações).
- Comunique stakeholders (acionistas, parceiros, clientes) sobre o plano de conformidade.
Nesse sentido, agir proativamente e não apenas reagir é essencial para mitigar custos, evitar retrabalho e preservar reputação.
Quais são os efeitos esperados no mercado?
Muitas fintechs legítimas estão sendo impactadas por um pacote normativo que nasceu como reação ao uso criminoso de modelos financeiros. Para se proteger, precisam agir proativamente: adequar governança, compliance e reportes e adotar uma cultura de transparência. “É hora de mostrar que elas estão preparadas, e não apenas reagindo. Além disso, comunicar isso ao mercado e stakeholders de forma clara e consistente ajuda a manter a reputação e a confiança dos investidores e consumidores“, conclui.