Já faz algum tempo que os conservadores estão defendendo bandeiras usadas pela esquerda durante a ditadura militar, falando em liberdade de expressão e criticando atos de censura. Mas, em fevereiro de 2024, avançaram ainda mais nesse sentido: manifestantes bolsonaristas cantaram a música “Pra não dizer que não falei das flores”, conhecida como “Caminhando”, durante um ato na Avenida Paulista, em São Paulo. Ontem, no entanto, o presidente do PL, Valdemar da Costa Neto, extrapolou ao usar um dos símbolos máximos da esquerda e compará-lo ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
“Estão transformando o Bolsonaro em um Che Guevara”, disse Valdemar. A frase, evidentemente, criou polêmica e bombou nas redes sociais. Por isso, o dirigente partidário teve de se explicar. “Nunca comparei Bolsonaro com Che Guevara, até porque o cubano era de esquerda e deixei isso claro”, escreveu ele em sua conta na rede X, confundindo-se sobre a nacionalidade do guerrilheiro, que nasceu na Argentina. “O que eu comparei foi o processo de mitificação e reafirmo: estão transformando Bolsonaro em um mártir, um mito ainda maior do que já é”.
Bem, deixemos de lado se ele comparou ou não Bolsonaro com Che. O fato é que Valdemar foi desenterrar um dos ícones mais fortes do esquerdismo e, de alguma forma, ligá-lo ao maior nome do conservadorismo brasileiro. “Daqui 30, 40 anos, […] você também vai ver gente com camiseta do Bolsonaro”, completou. Mas talvez a realidade não seja como imagina o presidente do PL. Seu comentário sobre a popularidade de Bolsonaro foi proferido no mesmo dia em que uma pesquisa do Instituto Quaest apontou que mais da metade dos brasileiros (55%) acredita que a prisão domiciliar do ex-presidente foi justa.
Em tempos recentes, muitos líderes políticos de direita vêm se queixando da falta de mão de obra para trabalhar narrativas empolgantes. De fato, os maiores compositores, roteiristas, cineastas e artistas brasileiros são de esquerda e têm talento de sobra para sensibilizar o eleitorado.
Mas o ideal para o conservadorismo seria criar seus próprios storytellers – não se apropriar de bandeiras e símbolos antigos da esquerda.
O uso indevido de ícones esquerdistas mostra uma ignorância que, antigamente, não era comum na direita. No passado, o conservadorismo teve porta-vozes como o economista Roberto Campos Neto, o jornalista Ruy Mesquita e o escritor Nelson Rodrigues. Nenhum deles, com certeza, iria utilizar um personagem fora de contexto para construir uma metáfora ou cantar um hino esquerdista em manifestação pública.
A direita precisa se reciclar e retomar sua capacidade intelectual. Boa parte dos líderes políticos direitistas da atualidade tem cultura diminuta e inteligência parca. São turbinados por redes sociais, infestadas por internautas mentecaptos que estão mais preocupados com memes e frases lacradoras.
Além disso, a direita sofre para sair do próprio quadrado e romper a bolha dos convertidos, pois repete com frequência o mesmo discurso. Infelizmente, muitos líderes do conservadorismo desprezam a cultura e até têm orgulho da própria ignorância. É uma pena. Esse é um caminho perigoso para a estagnação e para o fracasso.
















