O presidente Tancredo Neves era uma enciclopédia na arte de fazer política. Se estivesse vivo para atuar na vida pública brasileira, metade de nossos problemas atuais não existiria. “A verdadeira liderança se faz através do diálogo e da compreensão”, já disse ele em algumas ocasiões. Com estilo conciliador, Tancredo foi uma peça fundamental para unir forças políticas contraditórias no Brasil e hoje seria um personagem importante para unir o país no sentido de encontrar soluções duradouras para nossos desafios.
Uma frase a ele atribuída é dirigida a outro mandatário já falecido: Itamar Franco, que também fez sua carreira política em Minas Gerais. “Itamar guarda o rancor na geladeira”, dizia ele, ao notar que o colega mantinha suas mágoas vivas na condução de sua carreira política.
Quando observamos o comportamento de certos líderes da direita brasileira, percebemos que o rancor é também cultivado com carinho, especialmente no clã Bolsonaro, com especial destaque para os irmãos Carlos e Eduardo. Um recente vazamento de áudios do deputado mostrou seu temperamento explosivo, com pinceladas explícitas de ressentimento em relação ao pai, manifestadas por um festival de palavras de baixo calão. Mas o show de horrores começou no último final de semana, quando o vereador Carlos Bolsonaro botou fogo no parquinho com uma postagem mal-humorada.
Desde então, discute-se na direita brasileira se é possível chegar ao pleito de 2026 sem enfrentar divisões que podem enfraquecer os conservadores. O fato é que dificilmente haverá um consenso entre as principais forças direitistas até lá.
Entre as gravações vazadas, pode-se perceber que existe uma desconfiança muito grande em relação ao comportamento do governador Tarcísio de Freitas, que teria na visão de Eduardo Bolsonaro – um comportamento dúbio, pois estaria interessado mesmo em herdar o espólio político de Jair Bolsonaro e sair candidato à presidência da República. Muitos viram nos desabafos dos irmãos uma pista inequívoca de que a família do ex-presidente não irá apoiar a candidatura de nenhum dos governadores e que pode optar por um candidato próprio (Eduardo, Flávio ou a ex-primeira-dama Michelle).
Ocorre que, dos quatro governadores que estão no páreo, apenas Tarcísio parece ter um plano B, que é o de concorrer à reeleição. Os demais devem participar mesmo da corrida presidencial do ano que vem (embora exista a expectativa que Ratinho, Caiado e Zema possam se entender em torno de um só nome; neste caso, haveria uma disputa para ver quem ficaria com a vice-presidência da chapa).
Ronaldo Caiado, por exemplo, disse que os governadores continuam de olho no Planalto, apesar do esperneio de parte do clã Bolsonaro. “Não pode mais pairar nenhuma dúvida em relação a esse assunto, isso não existe. Todos nós somos pré-candidatos. Nenhum outro candidato, neste momento, vai criar uma situação de cancelamento de outras pré-candidaturas”, disse Caiado. “O jogo político é por aí. Você não tem reserva de mercado, só pode ser A, só pode ser B. Todos que quiserem se colocar no jogo podem se colocar. Esse é o jogo democrático. Quem tiver mais competência e mais capacidade de voto, que chegue ao segundo turno”.
A divisão da direita entre um ou dois governadores e um membro da família Bolsonaro, evidentemente, é boa notícia para a equipe do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que deve tentar a reeleição em 2026. Ainda há tempo para que os direitistas façam as pazes e se unam em torno de um só nome – mas a negociação passa a ser mais complicada, especialmente porque a família Bolsonaro parece querer um certificado ISO 9002 de fidelidade ao ex-presidente.
O problema é que os quatro governadores têm obrigações para com seus eleitores e com a população de seus estados. Por isso, precisam ser moderados e cultivar uma relação civilizada com o Executivo e o Judiciário. O que Carlos e Eduardo desejam é que os mandatários estaduais partam para um confronto direto com o ministro Alexandre de Moraes para defender Jair Bolsonaro, algo que dificilmente acontecerá.
A crise que se seguiu ao tarifaço, por enquanto, parece ter caído no colo da direita. A última pesquisa Quaest mostra que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva conseguiu reduzir sua impopularidade (um pouco, é verdade) e aumentar sua liderança nas pesquisas de intenção de voto para 2026.
Vídeos com declarações dos quatro governadores pré-candidatos (com destaque para Tarcísio) circulam pelas redes sociais para tentar associá-los a Bolsonaro e às medidas adotadas pelo presidente americano Donald Trump.
Lula caminhava para um cenário de descrédito e muita dificuldade para se reeleger. O tarifaço foi um presente que caiu em seu colo, minando a direita e criando discórdias dentro do ninho conservador. Se a família Bolsonaro insistir nessa toada de alinhamento incondicional a Trump e dividir ainda mais a direita, só haverá um beneficiado: o opositor Lula. Se o clã do ex-presidente continuar a preferir o desabafo à costura política, vai patrocinar uma desunião que pode custar caro – e põe caro nisso – em 2026.
É inegável, a essa altura do campeonato, que o tarifaço trouxe fôlego a Lula e dano político aos conservadores. Pode-se dizer que a atuação de Eduardo Bolsonaro, incitando Trump a promover sanções contra o Brasil foi uma tragédia para a direita em todos os sentidos. Os empresários saíram perdendo, Lula ganhou força e os políticos ligados a Bolsonaro encolheram. Será que a vingança contra o ministro Alexandre de Moraes valeu a pena? Talvez não. Pelo menos por enquanto o tiro saiu pela culatra.