A mais recente pesquisa da Genial/Quest trouxe fôlego político ao presidente Lula, indicando aumento de aprovação e redução da rejeição. Após meses de queda nos índices, o levantamento aponta para uma inflexão, sinalizando que a popularidade do governo pode estar em recuperação. Esse movimento ocorre em meio a tensões comerciais com os Estados Unidos e ao debate sobre tarifas impostas ao Brasil.
Embora o resultado seja comemorado pelo Palácio do Planalto, especialistas alertam que o cenário é mais complexo. Para eles, parte da melhora decorre de fatores externos e conjunturais, como o confronto com Donald Trump e o processo de desinflação. Ignorar o papel da economia nesse contexto pode levar a erros de avaliação e a riscos para a política e para os mercados.
O que a pesquisa revela sobre os eleitores?
Segundo Miguel Daoud, analista de economia e política, a pesquisa indica uma reversão na tendência de queda da aprovação do governo, mas traz limitações. Ele destaca que muitos entrevistados defendem a negociação com os Estados Unidos, enquanto o governo adota uma postura mais confrontante. “Para Lula, a criação de um inimigo externo trouxe dividendos políticos, mas a população deseja negociação para evitar efeitos desastrosos do tarifaço”, afirmou.
Daoud observa ainda que, nas regiões mais afetadas pela crise, como o sertão da Bahia, parte dos produtores sente os impactos econômicos, mas nem todos têm clareza sobre o debate político em Brasília. “O pequeno produtor está distante dessa discussão, mesmo sofrendo com tarifas que atingem setores como o de frutas e cacau”, complementou.
Popularidade de Lula depende apenas da retórica política?
Para Étore Sanchez, economista-chefe da Ativa Investimentos, o risco está em superestimar o peso da retórica política e ignorar os efeitos econômicos. Ele lembra que a queda da popularidade em 2023 esteve fortemente ligada à inflação. “O vilão silencioso foi a perda do poder de compra, e isso afetou a avaliação do governo. Agora, com a desinflação, a aprovação volta a subir”, explicou.
Nesse sentido, Sanchez alerta para o perigo de atribuir o aumento da popularidade apenas à postura de confronto com os Estados Unidos. “Se o governo acreditar que o apoio decorre exclusivamente da retórica bélica, corre o risco de reforçar esse discurso e esquecer que a economia é decisiva para a percepção do eleitorado”, acrescentou.
Quais os riscos econômicos por trás da estratégia?
A avaliação do economista é que a narrativa política pode mascarar riscos mais sérios. O confronto com os EUA pode trazer sanções comerciais e ampliar o impacto do tarifaço, pressionando ainda mais setores produtivos. Além disso, existe a possibilidade de maior gasto público em resposta às pressões externas, o que ampliaria os desafios fiscais do governo.
Segundo Sanchez, o risco é criar um ambiente em que o Executivo se apoie na retórica de enfrentamento enquanto a economia dá sinais de alerta. Ele menciona possíveis desdobramentos como desaceleração da atividade econômica e aumento do desemprego. “A inflação pode voltar a subir, e a popularidade perderia o impulso atual, deixando apenas os efeitos negativos da estratégia de confronto”, ressaltou.
Quais os próximos desafios para o governo?
Os analistas destacam que Lula terá de equilibrar ganhos políticos imediatos com sustentabilidade econômica. Entre os principais desafios estão:
- Evitar que o confronto com os EUA gere sanções comerciais duradouras;
- Manter o processo de desinflação sem perder controle fiscal;
- Reforçar a comunicação com a população, evitando a supervalorização da retórica política;
- Dar atenção a setores produtivos diretamente afetados pelo tarifaço e pelas oscilações cambiais.
Enquanto isso, a agenda fiscal permanece no radar. A tentativa de cumprir metas dentro do arcabouço fiscal encontra dificuldades, e a possibilidade de maiores gastos pode pressionar ainda mais o equilíbrio das contas públicas. Nesse cenário, o desafio é manter a credibilidade sem abrir mão da popularidade.