Quando se fala em hegemonia global, a maioria pensa em armas, tecnologia, PIB ou tratados comerciais. Mas o que sustenta o poder real de uma civilização vai além dos indicadores macroeconômicos, está naquilo que não se mede facilmente, a cultura. E talvez este seja o maior ponto de inflexão que o Ocidente está vivendo hoje, e não percebe.
Historicamente, os grandes impérios não ruíram por falta de recursos ou força militar, mas por colapsos internos de valores. Roma, por exemplo, se desintegrou muito antes da invasão bárbara, corroída por um sistema que havia perdido o senso de dever, sacralizado o prazer imediato e abandonado o espírito coletivo.
O Ocidente moderno, ao longo do século XX, construiu sua hegemonia com base em pilares profundos, ética protestante, mérito, disciplina, valorização do trabalho e coesão institucional. Esses valores não apenas sustentaram o capitalismo liberal, mas criaram sociedades com alto senso de responsabilidade, onde até carregar malas era um gesto de dignidade.
Mas algo mudou.
Pesquisas revelam esse deslocamento. Segundo a Pew Research (2019), 73% dos americanos nascidos antes de 1960 acreditavam que “trabalhar duro é essencial para ser uma boa pessoa”. Entre millennials, esse número caiu para 43%. O estudo da Gallup de 2023 mostrou que 67% dos trabalhadores nos Estados Unidos estão desengajados no trabalho. E não se trata de um problema isolado, é um fenômeno geracional e cultural.
Ao relativizar a autoridade, demonizar a hierarquia e transformar o trabalho em um mero instrumento de realização pessoal, o Ocidente criou gerações livres, mas também fragmentadas, pouco produtivas e desconectadas do coletivo. A liberdade sem responsabilidade virou ruído. E o zelo pelo bem comum, do transporte público à sala de aula, desapareceu.
Enquanto isso, o Oriente vem avançando silenciosamente.
Na China, Coreia do Sul, Singapura e Índia, o trabalho ainda é entendido como extensão de caráter. A disciplina é ensinada desde cedo, o esforço ainda é virtude, e o respeito por professores, patrões e instituições é regra, não exceção. O relatório Education at a Glance da OCDE mostra que estudantes asiáticos estudam mais horas, têm maior comprometimento com o desempenho e demonstram maior respeito à autoridade.
Não se trata de idealizar regimes autoritários ou desprezar as conquistas liberais do Ocidente. Trata-se de reconhecer que uma civilização que abandona o zelo pelas pequenas responsabilidades, pontualidade, esforço, limpeza, obediência, também perde sua capacidade de manter as grandes conquistas.
A nova ordem mundial talvez não comece com guerras. Talvez ela comece com trabalhadores que ainda carregam malas com cuidado, enquanto o mundo livre debate se “seguir ordens” fere a autenticidade pessoal.