A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) publicou nesta semana as Resoluções CVM 231 e 232, estabelecendo o Regime FÁCIL, uma nova estrutura regulatória que busca ampliar o acesso ao mercado de capitais por parte de companhias de menor porte (CMPs) — aquelas com receita anual de até R$ 500 milhões.
A iniciativa é considerada por especialistas como um dos marcos regulatórios mais relevantes dos últimos anos, ao facilitar de forma efetiva o ingresso de empresas de pequeno e médio porte no mercado de capitais, com custos menores, menos burocracia e regras mais compatíveis com sua realidade operacional.
“As novas resoluções representam um avanço histórico, comparável ao impacto da antiga Instrução 476 em 2009. A diferença é que agora o foco está em democratizar o acesso e incentivar uma nova cultura de captação”, avalia Luiz Rafael de Vargas Maluf, sócio e head da área de Mercado de Capitais do escritório CGM Advogados.
Regime FÁCIL: menos exigência, mais inclusão
O Regime FÁCIL, previsto na Resolução CVM 232, estabelece uma série de ajustes regulatórios que simplificam o processo de listagem e captação para as CMPs, incluindo:
- Registro automático após a listagem em mercado organizado;
- Dispensa de coordenador líder em ofertas públicas diretas;
- Substituição do Formulário de Referência pelo novo Formulário FÁCIL;
- Substituição das informações trimestrais (ITR) por demonstrativos semestrais (ISEM);
- Auditoria proporcional ao porte da companhia;
- Dispensa de determinadas políticas formais de governança.
Essas mudanças foram desenhadas para reduzir drasticamente os custos operacionais, que são desproporcionais para empresas menores e, muitas vezes, inviabilizam o uso do mercado de capitais como fonte de financiamento estruturado.
“O regime traz mais do que uma flexibilização: ele reconhece que uma regulação única pode ser excludente. Agora, temos uma norma proporcional que reduz barreiras sem comprometer a proteção do investidor”, afirma Maluf.
Regime FÁCIL oferece segurança jurídica e supervisão descentralizada
Uma das principais preocupações com a flexibilização de regras é o risco de perda de segurança jurídica ou de estímulo a práticas de governança frágeis. No entanto, o novo modelo se apoia em uma supervisão contínua e descentralizada, executada pelas entidades administradoras dos mercados organizados, como a B3.
“A CVM teve o cuidado de equilibrar liberdade com responsabilidade. A supervisão descentralizada garante agilidade no acompanhamento e reduz os riscos típicos de regulação leve. É um modelo moderno e eficiente”, destaca Maluf.
Essa descentralização é vista como uma inovação institucional relevante, que permite maior dinamismo regulatório e resposta mais rápida a eventuais abusos ou falhas, sem engessar o mercado.
Nova estrutura de oferta: leilões eletrônicos e controle direto no Regime FÁCIL
Um dos pilares do regime FÁCIL é o novo modelo de ofertas públicas diretas, que dispensa intermediários financeiros, como bancos coordenadores. Nessa estrutura, o próprio emissor conduz a oferta em ambiente eletrônico, utilizando um procedimento especial que simula um leilão.
“Isso reduz significativamente o tempo e o custo de captação e dá mais controle ao emissor. Para muitas empresas, esse diferencial pode ser o que faltava para acessar o mercado”, explica o especialista.
Além disso, o Formulário FÁCIL assegura um nível mínimo de transparência para os investidores, mesmo sem a presença de um coordenador líder.
Fim do caráter experimental com o Regime FÁCIL: acerto ou risco?
A CVM decidiu transformar o Regime FÁCIL em uma estrutura permanente, eliminando seu caráter experimental. Para Maluf, a mudança é acertada, mas requer maior diligência por parte dos investidores.
“É positivo tirar a norma do limbo e oferecer segurança jurídica aos emissores. Mas o investidor precisa entender que, embora existam salvaguardas, nem todas as práticas tradicionais de governança estarão presentes. Isso exige mais atenção na análise de riscos”, alerta.
Regime FÁCIL: impacto setorial, geográfico e cultural
Para além dos aspectos técnicos, o Regime FÁCIL pode gerar uma transformação cultural e estrutural no mercado brasileiro. Maluf enxerga a norma como uma oportunidade de descentralizar o capital, historicamente concentrado em grandes empresas do Sudeste.
“A medida tem potencial para incluir empresas de fora dos grandes centros financeiros, setores menos tradicionais e companhias com estruturas mais enxutas. Isso pode inaugurar um ciclo virtuoso de inclusão, inovação e regionalização do capital brasileiro”, destaca.
Além do Regime FÁCIL: educação financeira e integração com políticas públicas
Apesar do avanço, o especialista acredita que ainda há espaço para melhorias. Ele destaca como pontos prioritários:
- Maior educação financeira e regulatória para emissores e investidores;
- Integração com políticas públicas de inovação, desenvolvimento regional e acesso ao crédito;
- Calibragem futura dos limites de receita e da exigência de coordenador conforme o regime amadurecer.
A criação do Regime FÁCIL marca uma inflexão na forma como o Brasil encara seu mercado de capitais. Ao adaptar as regras à realidade das empresas de menor porte, a CVM dá um passo firme rumo a um ambiente mais democrático, eficiente e inclusivo, com potencial de alavancar o crescimento de regiões e setores historicamente marginalizados.
“O Regime FÁCIL pode ser o embrião de um novo mercado de capitais brasileiro — mais diverso, mais acessível e mais conectado com a economia real”, conclui Luiz Rafael de Vargas Maluf.