A derrota acachapante que o governo levou na noite de quarta-feira mostra a desarticulação política que tomou conta do Planalto. O núcleo duro governista tomou um susto com a votação relâmpago convocada pelo Congresso para derrubar o decreto que aumentava as alíquotas do IOF e a votação expressiva que derrubou a medida. Ainda nas cordas, alguns assessores levantaram a hipótese de levar a questão ao Supremo Tribunal Federal.
Este episódio revela a essência do terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: um governo que é refém do Congresso e se apoia no STF para terceirizar a solução de alguns problemas.
Sabe-se que não é exatamente por admiração ao liberalismo que deputados e senadores derrubaram o aumento de impostos previsto pelo ministério da Fazenda. Trata-se, antes de mais nada, de uma retaliação à atitude do ministro Flávio Dino (STF) de segurar as emendas parlamentares, que se tornaram o ativo político mais importante da década.
O Congresso enxerga Dino alinhado completamente com o Planalto, agindo em sintonia para compelir os parlamentares a apoiarem as medidas do governo. A queda de braço entre poderes, no entanto, gerou um clima de tudo-ou-nada no Legislativo. E os congressistas resolveram bater forte.
Se o governo apelar para o STF estará deixando o explícito o que mitos desconfiam há muito: que a alta corte é uma representante dos interesses do Executivo e age em conluio com o Planalto.
Embora sejam responsáveis pelo relacionamento com o Congresso, os ministros Rui Costa e Gleisi Hofmann não podem ser considerados os principais culpados pelo impasse que se estabeleceu entre os dois Poderes. Essa desarticulação deve-se exclusivamente ao presidente Lula.
O Lula dos dois primeiros mandatos gastava boa parte de seu tempo recebendo congressistas em almoços, jantares, churrascos e happy hours (a mais famosa delas era ao final das tardes de domingo). O presidente atual, porém, fala com pouquíssimos congressistas e deixou o diálogo com os parlamentares apenas na mão de seus ministros.
Entre 2003 e 2012, o mandatário entendeu perfeitamente qual era o papel do Baixo Clero na dinâmica do Congresso. Neste grupo estava o poder de viabilizar ou sabotar as medidas enviadas pelo Executivo. Por esta razão, Lula gastava boa parte de seu tempo ouvindo deputados e senadores sem grande expressão.
Nem sempre atendia a seus pleitos, mas conseguia encantá-los com sua verve e inteligência emocional. Este Lula, no entanto, desapareceu do mapa. No lugar dele, surgiu um político mais arredio e amargurado pelos mais de 500 dias de prisão. O resultado dessa mudança de personalidade está no impasse vivido pelo governo, que tem tudo para piorar e se transformar em uma espécie de apagão fiscal. Isso, para um governo que tenta a reeleição, é uma mistura de pesadelo com filme de terror.