Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, entrevistado no programa Mercado & Beyond, destacou o impacto das condições econômicas brasileiras no apetite por crédito privado. Ele observa que o aumento na emissão de debêntures e outros títulos, como CRIs, CRAs, LCIs e LCAs, é uma resposta às altas taxas de juros e ao cenário fiscal incerto. Segundo Cruz, “os investidores estão buscando opções de renda fixa que entreguem retorno acima dos títulos públicos, mas sem grandes riscos”.
Entre janeiro e julho de 2024, o volume negociado em debêntures ultrapassou R$ 400 bilhões. As corretoras e bancos privados têm se aproximado mais das empresas para fomentar esse tipo de operação. Isso ocorre porque, como Cruz aponta, “é mais barato para as empresas acessar crédito via mercado de capitais do que recorrer a empréstimos bancários tradicionais” devido aos juros altos.
Indústria de Fundos Redireciona Recursos para Renda Fixa
A entrevista também revelou uma mudança significativa no mercado de fundos. A indústria de ações tem sofrido resgates pesados nos últimos meses, com investidores migrando para produtos de renda fixa. “Muitos fundos multimercados desapareceram, e os recursos estão sendo direcionados para fundos de crédito privado, impulsionando emissões no mercado”, explicou Cruz.
Apesar do aumento no volume de crédito, os spreads dos títulos caíram de 2,67% em 2023 para 1,19% em 2024. Segundo Cruz, essa redução reflete o desequilíbrio entre oferta e demanda e a expectativa frustrada de queda na taxa Selic. “Com o mercado ajustando suas expectativas para juros mais altos, houve uma corrida por títulos de crédito privado de alta classificação, o que pressionou os spreads para baixo”.
Regulação e Impacto no Mercado de LCIs e LCAs
Em fevereiro de 2024, mudanças regulatórias limitaram a emissão de LCIs e LCAs por bancos, que usavam essas operações para obter isenções fiscais. Cruz explicou: “Os bancos estavam configurando essas operações como agronegócio ou imobiliário, mas a nova regulamentação reduziu essa prática, afetando temporariamente o estoque desses títulos”. No entanto, após uma queda nos primeiros meses do ano, o mercado começou a se recuperar.
Cruz destacou que o ambiente de negócios brasileiro é complexo e desafiador para novas empresas. “Ao contrário dos EUA, onde unicórnios crescem e depois se organizam, no Brasil, as empresas precisam se estruturar desde o início devido às altas cargas tributárias e à concorrência com empresas próximas ao governo”, afirmou.
Além disso, ele mencionou o desafio de atrair investidores estrangeiros. “O Brasil ainda tem uma imagem de ambiente hostil para investimentos internacionais, com carga tributária alta e insegurança jurídica. Os países competem para atrair capital, mas aqui as condições dificultam esse processo”, analisou Cruz ao considerar os juros altos.
A Relevância da Diversificação Internacional
Outro ponto levantado foi a importância da diversificação internacional. Com mercados financeiros mais desenvolvidos no exterior, Cruz observou que os investidores brasileiros estão aproveitando plataformas digitais para acessar produtos globais. “BDRs e fundos que investem fora do Brasil estão cada vez mais populares, oferecendo oportunidades de proteção e crescimento”.
Cruz ainda comentou sobre os impactos dos conflitos internacionais na economia brasileira. Ele enfatizou a necessidade de uma postura neutra: “O Brasil deve evitar tomar partido em conflitos globais para proteger suas relações comerciais e manter seus mercados externos”.