Depois de aprovar a isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000,00 mensais, os articuladores políticos acharam que tinham dominado a rebeldia do Centrão. O que se viu na noite de quarta-feira, no entanto, foi um ímpeto oposicionista que fez caducar a medida provisória que aumentava os impostos de aplicações financeiras. Com a MP saindo da pauta, a medida perdeu a validade e o governo vai deixar de arrecadar entre $ 17 e 21 bilhões em 2026. Detalhe: esses valores já tinham sido contabilizados no orçamento do ano que vem.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva revoltou-se com a derrota na Câmara. “Impedir essa correção é votar contra o equilíbrio das contas públicas e contra a justiça tributária. O que está por trás dessa decisão é a aposta de que o país vai arrecadar menos para limitar as políticas públicas e os programas sociais que beneficiam milhões de brasileiros. É jogar contra o Brasil”, disse Lula. Quem vê o presidente falar assim até imagina que o Planalto é um paradigma de responsabilidade fiscal. Mas não é isso o que se vê no mundo real.
Lula e o PT, de maneira geral, botou a culpa do infortúnio no governador Tarcísio de Freitas, que teria articulado a rejeição à MP (ele, porém, nega que tenha se envolvido neste episódio). “Nós entramos no modo disputa eleitoral. O Tarcísio, em vez de governar São Paulo, fica telefonando para deputado para pressionar, para não aprovar. É evidente que tem uma campanha eleitoral em andamento e o objetivo é prejudicar o governo. Dane-se o país”, fuzilou o deputado petista Carlos Zarattini.
Certa vez, ao falar sobre a malfadada invasão da Baía dos Portos, em Cuba, o presidente americano John Kennedy disse que “o sucesso tem vários pais, mas o fracasso é órfão”. É exatamente o que aconteceu na noite de quarta. Na ótica petista, não foi que o governo articulou mal e não fez o seu trabalho – a culpa é de Tarcísio, que se meteu onde não deveria.
Ora, mesmo que o governador paulista tivesse articulado a rejeição à MP, estamos em uma democracia e ele é um líder político. Pode, portanto, usar seu poder de influência para defender seus interesses. O governo deveria, em vez de chorar pelo leite derramado, pensar em reduzir suas despesas para conter o déficit público. Em vez disso, porém, prefere gastar como se não houvesse amanhã e passar a conta para a sociedade pagar.
O economista-chefe do Citibank, Leonardo Porto, disse o seguinte em entrevista ao jornal “O Estado de S. Paulo”: “Continuamos gerando déficit fiscal. E não é porque a arrecadação não está forte. Ela cresce numa velocidade muito forte. É porque o gasto é muito forte também. A maior vulnerabilidade da economia brasileira é a fiscal”.
Vozes como a de Porto deveriam ser ouvidas por Lula. Mas ele prefere achar que a culpa pela explosão das contas públicas não é dele – e sim da elite econômica, que não concorda em bancar a ineficiência e gigantismo do Estado brasileiro.
No fim das contas, o embate entre o governo e o Centrão revela mais do que uma disputa pontual por uma medida provisória: expõe uma fragilidade estrutural na articulação política do Planalto e uma resistência crescente ao modelo de gestão fiscal adotado por Lula. O oposicionismo do Centrão pode até não durar para sempre — mas enquanto os centristas se comportarem assim vão proporcionar testes diários para os nervos daqueles que compõem o núcleo duro do governo.