A votação apertada da MP 1303 na comissão mista do Congresso Nacional, aprovada por 13 votos a 12, revelou a dificuldade do governo em consolidar apoio político para medidas de aumento de arrecadação. O texto, que trata da tributação sobre aplicações financeiras e apostas, ainda precisa ser analisado pelos plenários da Câmara e do Senado.
Enquanto o Ministério da Fazenda tenta garantir recursos para cumprir metas fiscais, a desidratação da proposta reduziu a estimativa de arrecadação em cerca de R$ 3 bilhões. Analistas avaliam que o episódio expõe a fragilidade de articulação do governo e a resistência do Congresso em aprovar medidas impopulares em um ano pré-eleitoral.
O que o placar apertado revela sobre a força do governo?
Para o analista de economia e política Miguel Daoud, o resultado da votação mostra o enfraquecimento da base aliada no Congresso. “Esse 13 a 12 foi na comissão, não é no plenário. Mas mostra como o governo precisa negociar a cada etapa”, afirmou. Segundo ele, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, precisou atuar diretamente para recompor apoio após divergências sobre a tributação de diferentes setores.
Entre os principais pontos de conflito estavam a taxação das LCAs e LCIs, títulos do agronegócio e do setor imobiliário, e o aumento da alíquota sobre apostas esportivas, as chamadas bets, de 12% para 18%. “Houve lobby para reduzir a taxação das bets e manter a isenção das LCAs e LCIs. O governo acabou cedendo, ajustando o texto para viabilizar a aprovação”, explicou Daoud.
Ele ressaltou que, apesar do avanço pontual, a dependência de articulações de última hora mostra um cenário de instabilidade. “Haddad correu para fazer entendimentos e conseguiu ajustar a situação, mas isso não garante base sólida para votações futuras”, observou. Segundo o analista, a disputa foi marcada pela influência de grupos econômicos e pela dificuldade do governo em equilibrar interesses fiscais e políticos.
A desidratação da MP 1303 compromete metas fiscais?
De acordo com o economista-chefe da Suno, Gustavo Sung, a desidratação da MP 1303 reduziu significativamente o potencial de arrecadação previsto pelo governo. “A expectativa inicial era arrecadar entre R$ 20 bilhões e R$ 25 bilhões. Agora, espera-se algo em torno de R$ 17 bilhões”, afirmou.
Segundo Sung, o governo enfrenta um desafio adicional: cumprir a meta de superávit primário de 0,25% do PIB em 2026, o que representa cerca de R$ 34,3 bilhões. “A perda de R$ 3 bilhões de arrecadação agrava o cenário, e, se a medida não for aprovada, o impacto pode superar R$ 30 bilhões”, alertou.
O economista destacou que o governo tem recorrido a medidas pontuais para tentar recompor as contas, o que gera insegurança sobre a sustentabilidade fiscal. “Estamos vivendo um ciclo em que o governo busca constantemente novas fontes de receita para fechar as contas, sem atacar a raiz do problema, que é o controle de despesas”, explicou.
Quais alternativas restam para recompor a arrecadação?
Sung avalia que ainda há espaço para ajustes, mas reconhece que as alternativas disponíveis enfrentam resistência política. “Uma das possibilidades seria aplicar um corte linear de 10% em benefícios tributários, o que traria um ganho relevante. Outra seria flexibilizar vinculações do salário mínimo a benefícios sociais, reduzindo o engessamento do orçamento”, apontou.
Por outro lado, ele lembra que o calendário eleitoral limita o avanço dessas propostas. “Com as eleições se aproximando, qualquer medida que gere custo político tende a ser adiada. Isso torna o cumprimento das metas fiscais ainda mais desafiador”, completou.
Para os especialistas, o impasse em torno da MP 1303 ilustra o dilema atual do governo: a necessidade de aumentar a arrecadação sem ampliar a resistência política. A dificuldade em aprovar o texto integral reforça a percepção de que o equilíbrio das contas públicas depende de articulação consistente e de um redesenho mais amplo da política fiscal.
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