A recente conversa entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente americano Donald Trump abriu espaço para novos debates sobre política externa e economia. Ao mesmo tempo em que o diálogo reaquece negociações comerciais entre Brasil e Estados Unidos, o governo brasileiro tenta capitalizar o movimento politicamente, transformando a aproximação em uma narrativa de soberania e fortalecimento nacional.
Especialistas ouvidos pela BM&C News analisam que a estratégia de Lula tem duplo efeito: de um lado, reforça o discurso político voltado à base eleitoral; de outro, testa os limites de um alinhamento pragmático com o governo Trump, que deve exigir contrapartidas concretas em futuras negociações comerciais. As conversas envolvem temas como tarifas, exportações e até concessões diplomáticas.
O movimento político é sustentável?
Para o analista Miguel Daoud, o governo busca aproveitar o momento de alta popularidade para consolidar sua imagem de liderança. “O governo abre as velas do seu barco eleitoral na medida em que os ventos surgem”, afirmou. Segundo ele, a aposta do Planalto é que a melhora da arrecadação e o controle da dívida pública reforcem a percepção de estabilidade, sustentando a popularidade de Lula até o ciclo eleitoral.
Daoud observa que o governo acredita que uma possível redução de juros ainda em 2025 pode fortalecer esse plano político-econômico. “Há uma expectativa de que a dívida se estabilize e que o Banco Central ainda reduza os juros este ano”, explicou. No entanto, o analista ressalta que esse movimento depende de fatores externos e da credibilidade do ajuste fiscal.
O discurso de soberania, segundo ele, tem forte apelo simbólico, mas pode se enfraquecer diante de eventuais dificuldades econômicas. “Tudo caminha nesse sentido, mas se os ventos mudarem, o governo terá de ajustar o plano de navegação”, disse Daoud. Ele acrescentou que a oposição segue desorganizada, o que favorece o avanço do governo nessa estratégia.
O que esperar das negociações entre Brasil e EUA?
Para o economista Ecio Costa, a conversa entre Lula e Trump marca o início de uma reaproximação pragmática entre os países. Ele aponta que qualquer avanço dependerá da reciprocidade nas negociações. “Não é somente os Estados Unidos retirarem o tarifaço. Trump, como negociador, vai querer que o Brasil apresente contrapartidas”, explicou.
Entre as exigências esperadas estão concessões em setores estratégicos, como minérios e commodities, além de possíveis reconhecimentos diplomáticos. Costa cita também a queda nas exportações brasileiras para os EUA como um elemento que pode ser usado a favor do Brasil nas tratativas. “Os dados mostram uma forte queda das exportações para os Estados Unidos e um redirecionamento para a China, o que aumenta a concentração e preocupa”, afirmou.
O economista avalia que a diversificação comercial é fundamental. “Precisamos reduzir a dependência da China. Esse é um argumento que o governo pode usar nas negociações para justificar medidas que estimulem a retomada do comércio com os Estados Unidos.”
Big Techs e terras raras entram na mesa de negociação
O economista-chefe da Suno, Gustavo Sung, acrescenta que as futuras rodadas de conversas devem incluir temas tecnológicos e estratégicos. “Acredito que as negociações vão se basear principalmente em terras raras, porque os Estados Unidos vêm procurando fornecedores para sua indústria”, avaliou.
Além disso, Sung destacou que o Brasil pode recuar em propostas de regulação das Big Techs, gesto que seria visto com bons olhos por Trump. “O governo deve encontrar um meio-termo, abrir espaço e evitar ruídos adicionais”, observou. Ele lembrou ainda que a prioridade do governo americano segue voltada à agenda interna, marcada pelas negociações do orçamento e pela ameaça de shutdown.
Enquanto os Estados Unidos lidam com disputas internas, o Brasil tenta ocupar um espaço de diálogo estratégico. Para os especialistas, essa aproximação tem potencial para gerar ganhos econômicos e políticos, mas dependerá da habilidade do governo em equilibrar discurso e prática.
Entre política e economia: o desafio da coerência
A análise dos três economistas converge para um ponto central: a conversa entre Lula e Trump representa uma oportunidade de reposicionamento global do Brasil, mas carrega riscos políticos e econômicos. A manutenção dessa narrativa de soberania dependerá da capacidade de o governo entregar resultados concretos, seja na redução das tarifas, seja no crescimento das exportações.
Ao mesmo tempo, o contexto fiscal e a condução da política monetária continuam sendo fatores decisivos para determinar se esse novo ciclo de diálogo se converterá em ganhos duradouros para o país. Como destacou Daoud, “é um plano de voo que só se sustenta enquanto os ventos forem favoráveis”.
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