O telefonema de 30 minutos entre Lula e Trump reaqueceu a agenda geoeconômica do Brasil com os Estados Unidos e devolveu ao empresariado uma dose de otimismo cauteloso. De um lado, o presidente brasileiro pediu revisão de tarifas e o fim de sanções; de outro, Trump acenou com cordialidade e a promessa de “começar a fazer negócios”, além de uma reunião presencial. Além disso, em meio a esse movimento diplomático, crescem no front doméstico medidas de apelo popular, como ampliar a isenção do IR e discutir tarifa zero no transporte, que reacendem a preocupação com o quadro fiscal.
Nesse sentido, o Painel BM&C desta semana, apresentado por Felipe Nascimento, reuniu Roberto Dumas (mestre em economia), Bruno Musa (consultor financeiro da Portfel) e Carlos Honorato (economista) para destrinchar o significado do aceno. A conversa mirou dois eixos: a leitura estratégica do diálogo Lula e Trump, incluindo a possível influência de Marco Rubio, e o contraponto interno, no qual popularidade em alta convive com um risco fiscal percebido cada vez mais claramente pelos mercados.
O que muda com a ligação de Lula e Trump?
Para Dumas, houve avanço, ainda que modesto, ao menos por haver conversa. Por outro lado, o papel de Marco Rubio, político conhecido por postura dura na política hemisférica e ligado a dispositivos como a Lei Magnitsky, pode sinalizar que a barganha americana colocará preço alto para concessões. “Qual o presente que o Brasil colocará na mesa?”, provoca Dumas, ao lembrar que Trump tende a negociar pedindo contrapartidas tangíveis.
Bruno Musa reforça a incerteza. Segundo ele, Trump é imprevisível e a comunicação política após o telefonema foi envolta em narrativas. Enquanto isso, o mercado tenta separar efeito retórico de compromissos operacionais. Musa alerta que sem elementos verificáveis, é cedo para falar em alívio tarifário e, se vier, pode ser parcial, condicionado e calibrado pelo tabuleiro político interno dos EUA.
Carlos Honorato acrescenta que, na ordem de prioridades globais, o Brasil não é peça central. Assim, a oportunidade pode vir mais pela descompressão do ambiente e pela diversificação de mercados do que por um “grande acordo” imediato. Enquanto isso, a diplomacia empresarial, que já batia na porta americana antes do telefonema, ganha um pouco mais de tração para pleitos setoriais.
Aproximação de Lula e Trump: uma inflexão ou só retórica?
Na leitura dos convidados, há sinais mistos. Por um lado, a abertura de canal e a promessa de encontro presencial elevam a probabilidade de negociações técnicas com a USTR e interlocutores econômicos. Por outro lado, a eventual centralidade de Marco Rubio “o nome do risco”, como ironizou o painel, sugere que temas sensíveis como sanções, governança, compliance e disputas tributárias globais, seguem no radar e podem limitar concessões rápidas.
Além disso, a geopolítica mais fluida amplia o leque de estratégias brasileiras, ainda que com dilemas: reduzir dependência dos EUA sem cair em dependência da China, cujas práticas industriais e subsídios foram criticados pelos analistas. Nesse sentido, a palavra-chave é pragmatismo: maximizar mercados sem fechar portas e sem apostar todas as fichas num único eixo.
Popularidade, soberania e o preço fiscal
Enquanto o Planalto capitaliza a pauta da soberania e alimenta medidas de apelo popular (como a ampliação da faixa de isenção do IR e discutir tarifa zero no transporte público), a curva de juros doméstica sinaliza desconforto crescente com as contas públicas. Dumas lembrou o ajuste recente dos prêmios como sintoma de um “pessimismo realista” voltando ao preço dos ativos. Nesse cenário, “é muita festa” na política e pouco foco em qualidade de gasto, ponto reforçado por Honorato, para quem o problema não é só o tamanho do gasto, mas sua alocação ineficiente.
Por outro lado, os participantes reconhecem que, politicamente, a janela até 2026/2027 deve ser dominada por disputas e entregas de curto prazo, com pouco apelo para discussões de equilíbrio fiscal, que “não levantam arquibancada”. O risco, portanto, é a economia operar com volatilidade elevada, juros teimosos e crescimento refém de estímulos episódicos.
Quais são os riscos e as oportunidades daqui para frente?
- Risco diplomático: a negociação descarrilar se a pauta for dominada por condicionantes políticos (sanções, investigações e temas sensíveis) em detrimento de tarifas e comércio.
- Risco fiscal: a combinação de medidas populares com arrecadação incerta pode alongar a trajetória de juros altos e manter o prêmio de risco elevado.
- Oportunidade externa: usar a reabertura de canais para avançar em pautas setoriais e, ao mesmo tempo, consolidar diversificação de mercados (sem trocar uma dependência por outra).
- Oportunidade interna: reancorar expectativas com sinalização crível de qualidade de gasto e previsibilidade regulatória, reduzindo a inércia de prêmios na curva.
“Qual é o presente do Brasil?”
Por fim, a pergunta de Dumas sintetiza a encruzilhada: o que o Brasil oferece em troca para transformar sinalizações em resultados? Enquanto isso, Musa lembra que a política falará alto, e Honorato insiste no pragmatismo como bússola. Em outras palavras, a ligação foi um passo, talvez necessário, certamente insuficiente por si só. O desfecho dependerá da capacidade de converter sinal em entrega, do Itamaraty ao Tesouro, passando pelo Congresso e pelo setor produtivo.
Enquanto isso, continua valendo a regra básica dos mercados: separar ruído de tendência. Se a diplomacia encontrar seu “preço” e o fiscal voltar ao radar com qualidade, as portas se entreabrem. Do contrário, permaneceremos no terreno da retórica e a retórica, como se sabe, não paga juros.