Por Carlos Castro*
Os dados recentes da CNC – Confederação Nacional do Comércio – revelam que 78,2 % das famílias brasileiras estão endividadas — e 29,5 % delas acumulam dívidas em atraso. Esses números seguem altos e continuam expondo um padrão recorrente de comportamento em que o crédito é usado invariavelmente como extensão da renda.
O crédito não deve ser demonizado, pois é uma ferramenta importante de desenvolvimento econômico, quando bem utilizado. No entanto, a disponibilidade de crédito sem educação financeira tem prejudicado a saúde financeira — e mental — do brasileiro.
O cartão de crédito segue como protagonista desse descontrole, citado por mais de 80 % das famílias com dívidas. O consumidor paga o valor mínimo, empurra o saldo para o próximo mês, e os juros transformam qualquer compra em uma armadilha financeira.
Em 2023, o país registrou 212,305 milhões de cartões de crédito ativos, número que ultrapassa a população estimada de 203 milhões. Isso confirma o que muita gente já sabe: muitos brasileiros têm dois, três, às vezes mais cartões de crédito, acreditando que o limite em cada um é uma renda extra. A pessoa tem vários cartões para “esticar” o salário, fortalecendo a ilusão de liquidez.
As dívidas vão se acumulando, e novas linhas são contratadas apenas para ampliar o consumo. É o caso do e‑consignado, com parcelas descontadas diretamente em folha, corroendo a renda disponível antes mesmo de o trabalhador perceber.
O crescimento do e-consignado nos últimos anos também se deve à digitalização dos processos, à propaganda de “crédito rápido e fácil” e à falsa sensação de controle que o desconto em folha transmite.
No e-consignado, as pessoas relevam o desconto em folha e a redução do salário recebido, e ignoram o uso do FGTS como garantia de pagamento da dívida. E como muitas pessoas não têm reserva alguma, as poucas reservas, como o FGTS, são usadas como colateral para esse tipo de crédito — o que deixa o tomador vulnerável em caso de imprevistos.
Em apenas 13 dias do lançamento, o programa de consignado privado “Crédito do Trabalhador” movimentou mais de R$ 3,1 bilhões em contratos, reunindo meio milhão de trabalhadores, com valor médio por tomador em torno de R$ 6.284,45. Além disso, segundo pesquisa Datafolha de junho de 2025, 32 % dos brasileiros com carteira assinada ou aposentados já utilizam empréstimo consignado descontado em folha. As taxas desse crédito para o setor privado chegaram a 59,1 % ao ano em abril de 2025.
Diante desse cenário de uso indiscriminado, endividamento crescente e pouco planejamento, é preciso encontrar meios para sair da armadilha do uso não saudável do crédito. É necessário reconhecer que se está no ciclo da dívida para, então, construir um plano de fuga. Você pode sair desse labirinto passo a passo:
- Suspenda imediatamente o uso de crédito para despesas correntes, até que se tenha uma visão de toda a dívida.
- Faça um mapeamento completo de todas as dívidas: credores, juros, prazos e valores.
- Identifique as mais caras (rotativo, cheque especial) e transfira para empréstimos com juros menores, se possível.
- Negocie com os credores, pois eles preferem a negociação para receber os valores do que negativar o devedor.
- Se for necessário, acione a Lei do Superendividamento quando o sufoco for severo.
- Aproveite feirões de negociação de dívidas, quando os descontos nos juros costumam ser relevantes.
- Defina limites rígidos: encerre cartões desnecessários, reduza limites e use o crédito com parcimônia até restabelecer o equilíbrio.
- O crédito não é vilão. Redirecione o uso do crédito para fins que gerem patrimônio, rendimento ou valor — jamais para tapar rombos do dia a dia.
O crédito produtivo é a linha de crédito que vai para construção de patrimônio — como financiamento imobiliário, capital para abrir um pequeno negócio, crédito para educação ou investimento. Usar crédito para gerar valor, e não para consumir, o torna uma ferramenta muito útil de planejamento financeiro. Mesmo nesse tipo de crédito, planejamento e responsabilidade continuam sendo fundamentais.
Se você usa um dinheiro que não é seu, está vivendo uma vida que não é sua. Reconquistar o controle significa parar de usar dinheiro que não é seu para bancar seu estilo de vida. Quando o crédito deixa de ser extensão da renda e passa a ser instrumento de planejamento financeiro, você troca dívida que financia o consumo por uma alavanca de crescimento patrimonial.
*Coluna escrita por Carlos Castro, planejador financeiro pessoal, CEO e sócio fundador da plataforma de saúde financeira SuperRico
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