O conflito entre Israel e Gaza completa dois anos com novos impasses diplomáticos, após a rejeição do Hamas ao plano de paz apresentado pelos Estados Unidos, e esse é o tema do BM&C Visões da semana. Para o analista político e especialista em relações internacionais Marcelo Suano, a dinâmica do conflito não é “Estado vs. povo”, mas sim Israel contra um grupo terrorista que domina Gaza desde 2007, o que, na visão dele, redefine as balizas morais e operacionais das negociações.
Nesse sentido, Suano sustenta que Israel, como democracia, reconhece a representação de minorias e religiões em seu parlamento, enquanto o Hamas, por sua carta e práticas, não reconheceria a existência do Estado israelense. Por outro lado, a disputa informacional internacional, com narrativas desencontradas sobre números de vítimas, regras de engajamento e ataques, tem alimentado percepções contraditórias, dificultando consensos e reforçando antagonismos.
O que trava a paz entre Israel e Gaza?
Segundo Marcelo Suano, o primeiro obstáculo é de natureza existencial: a negativa do Hamas em reconhecer Israel. Para o analista, isso torna o processo de mediação “autobloqueado”, pois um cessar-fogo duradouro dependeria do abandono de objetivos que, historicamente, estariam inscritos na identidade político-militar do grupo. Além disso, ele destaca que Israel, ao responder a foguetes e incursões, adotaria procedimentos de aviso prévio de ataques para retirada de civis, enquanto o Hamas utilizaria a população como “escudo humano”, o que, na avaliação de Suano, configuraria crime de guerra.
Enquanto isso, a percepção de “desproporcionalidade” militar é contestada por Suano a partir de dois pontos:
- a) a natureza defensiva de respostas contra depósitos de armamentos e centros operacionais;
- b) o cálculo estratégico sobre o volume de mísseis contra a capacidade do Domo de Ferro.
“A soma desses fatores explicaria tanto a intensidade dos confrontos quanto a narrativa internacional crítica a Israel“, avalia Suano.
Por que há tanta rejeição internacional a Israel?
Na leitura de Suano, a hostilidade parte de dois vetores: desinformação e exploração política. Ele argumenta que a “ignorância” sobre a história regional, incluindo a formação de Israel, a compra de terras no período do Mandato Britânico e as guerras árabe-israelenses, é combinada com agendas ideológicas que, em sua visão, instrumentalizam a narrativa da vítima e do opressor. “Além disso, a mídia internacional nem sempre oferece contexto histórico e operacional completo, o que favorece conclusões apressadas“, esclarece.
Nesse sentido, Suano resgata episódios pouco destacados no debate público, como a violência enfrentada por refugiados palestinos em países árabes ao longo do século XX e as fronteiras “artificiais” desenhadas após a Primeira Guerra Mundial. Para ele, essa camada histórica é crucial para entender por que a segurança territorial e o controle de vetores de ataque são linhas vermelhas na doutrina israelense.
O “plano Trump” muda o jogo entre Israel e Gaza?
Em sua análise, Marcelo Suano considera “engenhoso” o plano de cessar-fogo e reconstrução coordenado pelos EUA e aliados, atribuído ao presidente Donald Trump. “O coração da proposta, é um governo transitório em Gaza, com desradicalização institucional e reconstrução econômica orientada à formação de classe média, o que reduziria a base social de grupos terroristas“, explica.
- Governo transitório sob coordenação internacional (EUA e parceiros), com exclusão de grupos radicais do processo;
- Reconstrução de infraestrutura (energia, água, saúde, educação) para ativar cadeias produtivas locais;
- Reforma do aparato de segurança com polícia interna supervisionada, sem Forças Armadas independentes no curto/médio prazo;
- Agenda econômica pró-mercado para estimular mobilidade social e reduzir o apelo da violência política.
Para Suano, o desenho atende exigências centrais de Israel: segurança fronteiriça e impedimento de rearmamento enquanto durar a transição. Por outro lado, ele avalia que o Hamas tenderia a rejeitar a proposta por esvaziar sua influência político-militar, daí a dificuldade prática de aplicá-la sem mudanças substanciais no terreno.
O papel da informação e das narrativas
Além disso, Suano enfatiza que “o campo de batalha informacional” pesa no ritmo das negociações. Na sua visão, a combinação de dados sem verificação robusta, linguagem emocional e agendas políticas externas cria uma tempestade perfeita que desvia o foco do desarme do Hamas e da proteção de civis. “Se a opinião pública global tivesse acesso a informações mais completas, haveria maior compreensão das respostas israelenses e das razões para neutralizar vetores de ataque na região“, argumenta.
Há espaço para um cessar-fogo duradouro entre Israel e Gaza?
Por outro lado, mesmo admitindo a complexidade, Suano vê janelas de oportunidade: uma coordenação internacional capaz de isolar grupos terroristas, monitorar fronteiras e financiar reconstrução com metas graduais e auditáveis. Contudo, ele pondera que qualquer cronograma dependerá do controle de arsenais, da reforma da segurança local e de um compromisso transparente com a não agressão, pré-condições que, na sua avaliação, o Hamas rejeita.
No balanço, Marcelo Suano conclui que o impasse atual decorre de assimetrias profundas: Israel reivindica garantias de segurança e reconhecimento; o Hamas, por sua vez, não reconhece Israel e opera a partir de táticas que maximizam o custo humano e político do conflito. Entre o imperativo de proteger civis e o desmonte de capacidades bélicas, a paz exigiria um acordo mais amplo do que simples cessar-fogos episódicos.
Qual a saída possível?
À luz das duas últimas décadas e do biênio mais recente, a entrevista reforça que a paz entre Israel e Gaza depende da neutralização de atores armados não estatais, da reconstrução socioeconômica ancorada em governança transitória e do reconhecimento explícito do direito de existência de Israel, marcos sem os quais a diplomacia tende a repetir ciclos de trégua e escalada. Enquanto isso, a disputa de narrativas continuará influenciando percepções, pressões e, em última instância, o próprio calendário das negociações.