A ascensão da inteligência artificial (IA) não é mais apenas uma inovação de nicho, mas um fenômeno global que já impacta diretamente o mercado de trabalho. O especialista em análise macro Fabio Fares, em entrevistas à BM&C News, destacou que 71% das empresas americanas já incorporaram algum nível de IA em seus processos. Essa transformação gerou o que ele chama de “boca de jacaré”: um gráfico que mostra, de forma visual, a divergência entre a adoção acelerada da tecnologia e a queda das oportunidades de emprego.

Para compreender esse fenômeno, é preciso considerar duas perspectivas. Do lado das empresas e investidores, a IA reduz custos e amplia a margem de lucro, já que a folha salarial representa de 12% a 15% das despesas operacionais. Com menos gastos com pessoas, sobra capital para reinvestimento e expansão. Do lado dos trabalhadores, principalmente aqueles em funções repetitivas e operacionais, a realidade é outra: empregos desaparecem em velocidade recorde. O exemplo da Clarma, empresa de call center nos EUA, é ilustrativo, sua equipe foi reduzida em 66% após a implementação de sistemas automatizados de atendimento.
Inteligência Artificial: substituição total ou redefinição dos empregos?
Embora a ideia de que a inteligência artificial vai “roubar todos os empregos” seja recorrente, Fares propõe uma visão mais complexa. Segundo ele, o processo de transformação ocorre em ondas. Na primeira, a substituição é agressiva e causa desequilíbrios imediatos. Mas, com o tempo, as empresas passam a encontrar um ponto de equilíbrio: funções humanas se tornam essenciais em áreas onde a tecnologia ainda não alcança a criatividade, o senso crítico ou a empatia. Esse processo, entretanto, não elimina o choque inicial, quando milhões de pessoas podem ficar sem ocupação.
Alguns setores são mais vulneráveis no curto prazo:
- Varejo: expansão dos self-checkouts, reduzindo a necessidade de caixas humanos.
- Logística: armazéns cada vez mais automatizados, com robôs substituindo tarefas braçais.
- Agronegócio: processos de plantio e colheita robotizados, diminuindo a demanda por trabalhadores rurais.
- Serviços: call centers e atendimentos de suporte já estão entre os primeiros afetados.
- Transporte: o futuro aponta para veículos autônomos, incluindo caminhões e ônibus.
Enquanto isso, setores que dependem de criatividade, inovação e contato humano resistem por mais tempo. Mas até mesmo nessas áreas, a exigência de fluência digital será inevitável. “A IA não elimina todo o trabalho, mas redefine as funções e exige novas competências“, resume
O Brasil está pronto para o futuro digital do trabalho com a Inteligência Artificial?
Se o impacto da inteligência artificial já é evidente em economias desenvolvidas, o desafio para países emergentes como o Brasil pode ser ainda maior. O motivo é estrutural: a educação básica insuficiente. Fares alerta para o peso do analfabetismo funcional no país, que impede boa parte da população de competir por vagas em um mercado cada vez mais digitalizado. “Você não consegue disputar emprego se não interpreta textos ou se não tem o mínimo de conhecimento em computação”, observa o especialista.
No agronegócio, setor vital para a economia brasileira, a automação já avança a passos largos. Fares citou que usinas de cana-de-açúcar controlam praticamente todo o processo de plantio e colheita por sistemas digitais, operados por poucas pessoas. Isso significa que atividades que antes empregavam centenas de trabalhadores agora são desempenhadas por máquinas com a supervisão de um pequeno grupo. Esse exemplo reflete a dificuldade do Brasil: como absorver no mercado milhões de trabalhadores de baixa qualificação que perdem espaço para a tecnologia?
Além disso, setores como transporte público e varejo caminham para substituições rápidas. Cobradores já desapareceram, caixas estão em queda e motoristas podem ser substituídos futuramente por veículos autônomos. Para uma sociedade que ainda depende fortemente de programas de assistência, como o Bolsa Família, o impacto pode ser devastador.
O dilema entre produtividade e exclusão social
A inteligência artificial cria um dilema de difícil solução: ao mesmo tempo em que aumenta a produtividade e impulsiona os lucros, ela amplia o risco de exclusão social. Para Fares, o desafio não é apenas econômico, mas político. Governos precisarão formular estratégias para sustentar populações que não encontram emprego formal. Nesse contexto, ideias como a renda básica universal ganham espaço, mas ainda enfrentam resistência por parte de setores que questionam a viabilidade fiscal de programas dessa magnitude.
O país precisa investir pesadamente em educação tecnológica, requalificação profissional e inclusão digital. Sem isso, a exclusão tende a se aprofundar, criando um cenário de instabilidade social. “A inteligência artificial não gera inteligência sozinha. É preciso que o cidadão saiba utilizá-la, e isso exige preparo”, afirma Fares. Para ele, o problema não é a tecnologia em si, mas a incapacidade de adaptação de uma parte significativa da população.
Reflexões globais: há um caminho de equilíbrio coma IA?
A inteligência artificial é a maior transformação do mercado de trabalho desde a Revolução Industrial. O “gráfico da boca de jacaré” não é apenas uma metáfora: é um alerta sobre a velocidade da mudança e seus efeitos sociais. O futuro pode ser de eficiência inédita e crescimento econômico, mas também de exclusão em massa se não houver políticas de adaptação. Para o Brasil, o desafio é ainda mais urgente: ou investe em educação e capacitação digital, ou corre o risco de ser engolido pela nova ordem tecnológica.
Mas a discussão sobre IA e emprego não é exclusividade brasileira. Nos Estados Unidos, especialistas já preveem a necessidade de programas sociais permanentes para lidar com o desemprego tecnológico. A China, apesar do avanço em cidades altamente robotizadas, enfrenta um dilema diferente, uma população envelhecida e baixa taxa de natalidade, fatores que reduzem a pressão por novos empregos. Ainda assim, os riscos sociais persistem.
A questão central é se o país será apenas consumidor de tecnologia estrangeira ou se conseguirá se posicionar como produtor, desenvolvendo soluções próprias que abram espaço para empregos de maior valor agregado.
O debate não deve ser se a IA substituirá ou não os empregos, mas como sociedades irão se reorganizar para garantir que trabalhadores não sejam descartados pelo avanço tecnológico. Afinal, a questão não é tecnológica, e sim social, econômica e política. E a resposta precisa começar agora.