O financiamento às campanhas eleitorais é aquele tipo de assunto desconfortável, que ninguém quer discutir. Nesta semana, porém, o Congresso produziu um bom pretexto para colocar esse assunto na pauta, com a decisão da Comissão Mista de Orçamento da Câmara que aprovou a verba de R$ 4,9 bilhões a ser gasta pelos partidos políticos em 2026.
Trata-se de um assunto indigesto por alguns ângulos. O primeiro é o montante, que pode se expandir e chegar a R$ 5,1 bilhões, totalmente custeado pelos cofres públicos. Uma dinheirama que vai diretamente para as siglas partidárias, em um processo que nem sempre é transparente.
Mas a gênese desse fundo remonta a 2015, quando o Supremo Tribunal Federal declarou inconstitucional o financiamento empresarial de campanhas eleitorais, alegando que o poder econômico distorcia a representação democrática e alimentava esquemas de corrupção. A decisão foi tomada em meio à turbulência gerada pela Operação Lava Jato, que escancarou o uso de doações privadas como moeda de troca entre grandes empresas e partidos. Com isso, o STF cortou o principal fluxo de recursos das campanhas, obrigando o sistema político a buscar uma nova fonte de financiamento.
Dois anos depois, já com Michel Temer (imagem) na presidência, o Congresso criou o Fundo Especial de Financiamento de Campanha. A proposta foi aprovada em tempo recorde, embutida na minirreforma política de 2017, e sancionada sem resistência pelo presidente. O fundo passou a ser abastecido com dinheiro público e distribuído conforme o tamanho das bancadas, garantindo que os partidos mantivessem o motor das campanhas funcionando.
Ou seja, o que era ruim – um modelo de doações baseado no toma-lá-dá-cá – ficou pior, usando recursos públicos que poderiam ser utilizados em projetos sociais ou obras importantes para a infraestrutura do país. Na prática, os dois modelos são ruins. Um favorece o favoritismo aos doadores; outro drena uma fortuna dos cofres estatais, dando conforto aos partidos políticos, que nada precisam fazer para captar recursos.
Uma solução para este dilema pode ser a adoção de um sistema parecido com o dos Estados Unidos, onde temos o mecanismo dos chamados SuperPACs (Super Political Action Committees – ou Super Comitês de Ação Política).
Esses SuperPACs se tornaram importantíssimos no processo eleitoral americano desde que a Suprema Corte decidiu, em 2010, que empresas e sindicatos poderiam gastar livremente para influenciar eleições — desde que o dinheiro não fosse utilizado diretamente pelos candidatos. Dessa forma, houve uma avalanche de dinheiro privado financiando candidatos, mas à margem das campanhas oficiais.
Os SuperPACs não podem doar diretamente, mas podem produzir anúncios, vídeos e eventos que promovem ou atacam candidaturas com total liberdade. Essas organizações funcionam como braços invisíveis de campanhas, muitas vezes mais agressivos do que os próprios comitês dos candidatos. A fiscalização fica por conta da Federal Election Commission (FEC), que exige prestação de contas detalhada e publica os dados para garantir transparência.
Já o fundão eleitoral é a consagração da esperteza institucionalizada. Bilhões de reais são despejados nos cofres das siglas sem exigência de mérito, sem transparência real ou retorno à sociedade. É dinheiro público transformado em combustível para campanhas que, muitas vezes, não oferecem propostas consistentes.
A elite política trocou o constrangimento das doações privadas pela comodidade do orçamento federal e o eleitor virou patrocinador involuntário de um espetáculo que raramente o representa. Se antes o problema era a influência do capital privado, agora é a indiferença com o capital público. Qual dos dois sistemas é o pior? A resposta vai variar de pessoa para pessoa, o que significa uma coisa só: precisamos encontrar uma nova solução para esse problema. Os SuperPACs podem não ser uma alternativa ideal. Mas sua existência mostra que existem outras direções, além do fundão, a seguir. Precisamos pensar sobre isso, pois do jeito que está não pode ficar.