A aprovação do Projeto de Lei nº 1.087/2025 pela Câmara dos Deputados marcou um passo histórico na política tributária brasileira. Com 493 votos favoráveis e nenhum contrário, o texto amplia a faixa de isenção do Imposto de Renda (IR) para pessoas físicas e cria novas regras de tributação para altas rendas e dividendos.
A proposta, que ainda será analisada pelo Senado, foi avaliada por especialistas ouvidos pela BM&C News, que trouxeram suas visões sobre os impactos tributários, econômicos e políticos da medida.
O que muda com a nova faixa de isenção de IR?
Categoria | Como é hoje | O que muda com o PL 1.087/2025 |
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Faixa de isenção | Até R$ 3.036 por mês | Até R$ 5.000 por mês, com desconto fixo de R$ 312,89 que zera o imposto |
Rendas intermediárias | Pagam IR conforme tabela progressiva | De R$ 5.000,01 até R$ 7.350 por mês recebem desconto mensal de R$ 978,62 |
Beneficiados | Cerca de 15 milhões de contribuintes | Mais de 26,6 milhões de contribuintes até 2026 |
Compensação fiscal | Não há tributação adicional específica | Alíquota extra progressiva de até 10% para rendimentos anuais acima de R$ 600 mil (máxima a partir de R$ 1,2 milhão) |
Lucros e dividendos | Isentos para pessoas físicas | Tributação de 10% na fonte sobre valores acima de R$ 50 mil/mês pagos por uma mesma empresa a uma mesma pessoa física |
Regra de transição | Não se aplica | Lucros e dividendos apurados até 2025 e distribuídos até 31/12/2025 continuam isentos |
Segundo Mauricio De Luca, empresário contábel e diretor da Federacao Contabilistas do Estado de SP, a medida representa um avanço na progressividade do sistema tributário, pois alivia milhões de brasileiros e fortalece a justiça fiscal”.
Por outro lado, a renúncia fiscal estimada em R$ 25,8 bilhões ao ano exigirá contrapartidas. Para compensar, o governo propõe tributação adicional sobre rendas acima de R$ 600 mil anuais e retenção de 10% sobre dividendos pagos acima de R$ 50 mil mensais. O estrategista-chefe da RB Investimentos, Gustavo Cruz, avalia que o impacto imediato nos preços de ativos deve ser limitado, já que a aprovação do texto-base era amplamente esperada pelo mercado. No entanto, a preocupação recai sobre o financiamento da proposta.
“O governo fala em um impacto de mais de R$ 25 bilhões por ano em renúncia de receita com a isenção, mas quando o mercado fez as contas, a compensação via novas alíquotas não chega nem à metade disso”, afirmou. Segundo ele, o desafio está na falta de clareza sobre como essa diferença será coberta, já que não houve detalhamento robusto ao longo da tramitação.
Dividendos: nova tributação gera dúvidas
Uma das mudanças mais debatidas é a tributação de dividendos. Até agora, pessoas físicas recebiam esses valores de forma isenta, sem incidência de IR. O novo projeto prevê retenção de 10% na fonte para rendimentos que ultrapassem R$ 50 mil mensais de uma mesma empresa.
De Luca avalia que a medida é “moderada, mas simbólica”, por atingir apenas o topo da pirâmide de investidores. Ele acrescenta que “não se trata de bitributação, mas de duas incidências diferentes: uma sobre o lucro da empresa e outra sobre o rendimento da pessoa física”.
Já Sergio Vasconcelos, advogado tributarista do escritório ButtiniMoraes, critica a ausência de redução nas alíquotas do IRPJ e da CSLL. Para ele, “o projeto deveria ter diminuído a carga das empresas, como ocorre em outros países, ao instituir a tributação sobre dividendos”. Além disso, alerta que o redutor criado para evitar sobreposição excessiva é de difícil aplicação prática, podendo gerar disputas jurídicas.
Volnei Eyng, CEO da Multiplike, criticou duramente a proposta. “Tributar dividendos no Brasil, quando as empresas já pagam 34% de imposto sobre o lucro, significa criar uma bitributação. Isso desestimula o empreendedor, afasta investimentos e pode empurrar parte da economia para a informalidade. Na teoria parece equilibrado, mas na prática pode gerar consequências negativas.
IR: O imposto mínimo é avanço ou complexidade?
Outra inovação no IR é o chamado imposto mínimo, que garante uma tributação mínima sobre grandes fortunas e altas rendas. De Luca vê alinhamento com tendências globais, citando o “Pillar 2” da OCDE. “É um passo para modernizar o sistema brasileiro”, afirma.
Em contrapartida, José Alfaix, economista da Rio Bravo é mais cauteloso sobre a compensação: “É preciso fazer a conta, para muitos especialistas, a receita sobrestima o volume que deve ser arrecadado com os super-ricos. No entanto, a preservação do imposto de renda minimo, sendo capaz ou não de cobrir integralmente a isenção, ao menos limita o custo fiscal“, avalia.
Impactos econômicos: consumo, dívida e mercado
Do ponto de vista econômico, a medida pode estimular o consumo nas faixas de renda mais baixas, ao aumentar a renda disponível. “O efeito é positivo, ainda que moderado no curto prazo”, diz De Luca.
Na visão do estrategista, Gustavo Cruz, os desdobramentos podem ir além da questão fiscal. “Há ainda o risco de reflexos inflacionários. Empresas podem repassar custos ou reduzir dividendos para compensar a maior carga tributária, o que impactaria a inflação projetada e, consequentemente, poderia manter os juros em patamares elevados por mais tempo”, explicou. Segundo ele, o curto prazo é de neutralidade, mas o médio prazo dependerá de novas medidas de arrecadação e do cenário político que se desenha até 2026.