Em uma cena marcante do filme “Rush”, que mostra a rivalidade entre os pilotos James Hunt e Niki Lauda, o austríaco tenta convencer seus colegas a cancelarem o Grande Prêmio da Alemanha, que seria disputado no temido circuito de Nurburgring. Sua proposta é derrotada e, ao final da votação, Hunt se aproxima dele e diz: “De vez em quando, as coisas podem melhorar se as pessoas gostarem de você”. O inglês se referia à falta de empatia e ao individualismo do rival, que criava certa animosidade dos demais corredores em direção ao então campeão mundial de Fórmula 1.
Essa cena me veio à mente ao ler que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva gastou, na festa de posse do ministro Edson Fachin no comando do Supremo Tribunal Federal, um bom tempo conversando com os chefes do Legislativo, Hugo Motta e Davi Alcolumbre. Segundo testemunhas, Lula não levantou nenhum assunto sério: os três falaram apenas de amenidades e deram algumas risadas juntos.
Com isso, o presidente (que sabe como poucos o valor da simpatia alheia) matou dois coelhos com uma só cajadada. Criou um clima de boa vontade com Motta, que deverá pautar nesta semana o projeto de isenção de imposto de renda para quem ganha até R$ 5.000, 00 mensais – uma das prioridades do governo petista. Além disso, conseguiu desanuviar parte do clima tenso que havia entre Motta e Alcolumbre desde que o Senado derrubou a chamada PEC da Blindagem. Em postagem nas redes sociais, diante do clima amistoso, o presidente do Senado chamou o deputado de “amigo”.
Lula pode ser criticado por muitas coisas, especialmente por conta de posições político-econômicas ultrapassadas, mas é preciso reconhecer que ele tem uma sensibilidade política extremamente aguçada, especialmente nos momentos de crise. Com o desembarque de alguns partidos de seu governo, ele precisa mais do que nunca do apoio de Motta e de Alcolumbre. Por isso, passou a se movimentar com desenvoltura para garantir o apoio dos dois (embora Alcolumbre já possa ser considerado, a essa altura do campeonato, um aliado firme do governo).
Enquanto Lula usa o poder de sedução, o deputado Eduardo Bolsonaro continua sua cruzada belicosa nas redes sociais, incluindo postagens que incitam os internautas a pressionarem seus deputados contra o projeto de dosimetria que é relatado por Paulinho da Força. Os bolsonaristas, de maneira geral, estão preferindo a pressão em vez do diálogo. Conseguirão o que desejam através de um discurso agressivo? Dificilmente.
No xadrez político, tão importante quanto a força das ideias é a capacidade de somar aliados. Como ensina a cena de “Rush”, não basta ser genial e determinado se não se conquista empatia, respeito e espaço para o diálogo. Nas democracias, só vence quem sabe combinar princípios, sensibilidade e articulação, entendendo que vitórias sólidas dependem de boas alianças e de saber jogar com as peças à disposição. Por fim, é preciso lembrar que, no filme e na vida real, Lauda não conseguiu impedir a corrida e, na prova, sofreu o maior acidente de sua carreira, ficando entre a vida e a morte durante dias. Trata-se de um exemplo que precisa ser estudado cuidadosamente por Eduardo Bolsonaro e seus aliados mais próximos. A falta de apoio pode levar ao desastre absoluto àqueles que não têm empatia pelos outros.