No programa Mercado & Beyond desta semana, apresentado por Paula Moraes, o gestor Sérgio Machado destacou que crises raramente “surgem do nada”: antes da turbulência, costumam aparecer sinais discretos em política monetária, confiança e fluxos de capital. Além disso, em um ambiente global de juros longos, tarifas remodelando cadeias e moedas oscilando, separar ruído de alerta real tornou-se ainda mais desafiador. Enquanto isso, o Brasil enfrenta dilemas próprios, como a alavancagem corporativa herdada do crédito barato, incerteza fiscal e a necessidade de preservar a autonomia do Banco Central. O curto prazo não há gatilho evidente para uma nova crise global, mas o médio prazo inspira cautela.
O convidado lembrou que choques se constroem gradualmente, endividamento elevado, pressões inflacionárias e mercados de trabalho aquecidos nos EUA reduziram as apostas de cortes agressivos. Por outro lado, um dólar mais fraco, favorecido por decisões recentes, pode ajudar a economia americana agora, mas, se o movimento for abrupto, mina graus de liberdade da curva e a confiança.
Há risco de crise à vista no Brasil ou estamos diante de ruídos?
Para Machado, “ninguém acorda com a crise, ela é construída“. Ele não enxerga, hoje, um problema estrutural análogo a 2008, mas vê motivos para preocupação adiante. Além disso, o mercado americano ainda processa dados fortes de emprego e inflação, o que embaralha a trajetória de juros e, por tabela, a precificação de risco para emergentes.
Por outro lado, a fraqueza do dólar tem limite, não há substituto claro à moeda hegemônica, e apostas de migração maciça para cripto não se mostram factíveis. Enquanto isso, tarifas comerciais elevam custos globais, mas o impacto direto sobre o Brasil tende a ser mitigado pelo perfil exportador concentrado em commodities, o risco maior seria adotar respostas “ufanistas” que encarecem setores onde o país já é pouco competitivo.
Impactos para o Brasil: fiscal, câmbio e juros em foco
Questionado sobre o que pesa mais, se a curva longa dos EUA ou o quadro fiscal doméstico, Machado ponderou que yields americanos próximos a 6% acenderiam alertas vermelhos para emergentes. Contudo, com a faixa atual mais baixa, volta ao centro a nossa agenda interna: dívida bruta “namorando 80% do PIB”, custo de capital estruturalmente alto e a necessidade de ancorar expectativas.
Nesse sentido, ele valorizou a atuação conservadora do Banco Central para preservar o valor da moeda e conter pressões inflacionárias. Por outro lado, lembrou que a economia brasileira não é dolarizada, o que torna um quadro de “dominância fiscal” menos provável no curto prazo. Ainda assim, a combinação de superávits comerciais robustos com fluxo financeiro negativo intriga: parte dos exportadores tem mantido receitas no exterior, e sazonalidades (como remessas e dividendos no fim de ano) amplificam oscilações do câmbio.
Como ler o câmbio: entre fundamentos, fluxo e emoção
Machado ressaltou que câmbio é “fluxo e expectativa”. O salto visto no fim do ano passado combinou frustração fiscal e sazonalidade adversa, mas sem novo fato gerador, a reversão veio. Além disso, ele alertou contra leituras emocionais do dólar, movimentos extremos pedem análise de causas e, quando o dólar global enfraquece, parte do “bom humor” local é carona, não mérito doméstico. Se houver correção lá fora, o Brasil tende a “devolver” algum ganho.
O ambiente de juros muito baixos criou dois perfis: o gestor experiente que aproveitou preços distorcidos e o tomador que acreditou em demanda artificialmente forte. Com a normalização, muitos ficaram descasados. Além disso, o “pecado original” brasileiro, dependência de capital caro, torna a alavancagem estruturalmente perigosa, quem depende de dívida para viver, “morre aos poucos”.
Enquanto isso, a bolsa subiu sem euforia de varejo e o grosso do dinheiro foi para renda fixa. Spreads de crédito comprimidos, apesar da taxa alta, indicam excesso de oferta de papéis e apetite dos fundos, mas não formam, por si, um convite irresistível ao capital estrangeiro. Setorialmente, há teses como saneamento que atraem investidores, desde que regras claras e estáveis reduzam o risco regulatório.
O ajuste fiscal virá “via inflação”?
Segundo Machado, países não “quebram”; dão calote de forma sutil, e a inflação é o caminho menos traumático politicamente. Além disso, emissão direta de moeda seria um erro por acelerar a inflação “na veia”. Por outro lado, sem reformas que enfrentem o gasto e organizem a tributação, a pressão sobre juros permanece, travando investimento e potencial de crescimento.
Nesse sentido, ele criticou iniciativas tributárias de viés arrecadatório de curto prazo que desincentivam o alongamento de passivos e a formação de poupança de longo prazo, fundamentais para financiar empresas e o Estado a custos menores. O ideal seria previsibilidade, incentivos ao investimento produtivo e foco em produtividade, condição para sair do ciclo de “stop and go”.
Ao tratar de sonegação e lavagem, Machado resumiu: o Brasil tem “leis suíças e execução sudanesa”. Em vez de criar normas sem efetividade, é preciso punir com rigor usando o aparato já existente, sem terceirizar poder de polícia às instituições financeiras. O sistema local, com segregação de funções e auditorias independentes, é sólido; falta fazer a engrenagem funcionar com eficiência e previsibilidade.
O que monitorar daqui para frente?
- Fiscal e reformas: regras críveis, previsibilidade e foco em produtividade.
- Curvas de juros (EUA e Brasil): impacto sobre custo de capital e fluxos.
- Câmbio: separar carona externa de mérito local; observar fluxos financeiros.
- Crédito e alavancagem: spreads, prazos e qualidade do tomador.
- Ambiente regulatório: marcos setoriais estáveis (saneamento e infraestrutura).
Em síntese, o Brasil não está no limiar de uma crise iminente, mas também não pode desperdiçar o tempo ganho. Enquanto isso, ancorar expectativas, executar o que já existe em lei e remover incertezas de investimento são as chaves para reduzir prêmio de risco, baixar o custo de capital e transformar sinais difusos em uma trajetória sustentável de crescimento.