No programa BM&C Strike, Paula Moraes, conversou sobre como a “Operação Carbono Oculto” expôs facções criminosas infiltradas em atividades estratégicas da economia, com destaque para o setor de combustíveis. A fraude fiscal, a adulteração de produtos e o uso da cadeia formal para lavagem de dinheiro criaram uma concorrência desleal que corrói margens, destrói reputações e desorganiza preços. Além disso, o Estado chegou tarde, quando o esforço de fiscalização começou a ganhar tração, a engrenagem criminosa já contaminava elos relevantes da cadeia.
O especialista convidado, Pedro Rodrigues, diretor da CBIE, foi direto: todos perdem.
- Governo, que deixa de arrecadar e vê abalada a credibilidade;
- empresas sérias, que não competem com quem sonega ou adultera;
- e o consumidor, que abastece sem confiança na qualidade e paga a “conta invisível” da informalidade.
Nesse sentido, o debate mostrou que o problema não é isolado, ele é estrutural, alimentado por falhas tributárias, regulatórias e de fiscalização que se acumulam há anos.
Quem perde com a distorção do setor de combustíveis?
Segundo Rodrigues, quando o objetivo de parte dos agentes não é vender combustível, mas “lavar dinheiro”, a formação de preço deixa de refletir custos reais e produtividade. Por outro lado, postos e distribuidoras que operam corretamente ficam encurralados por quem burla impostos e manipula produto. Enquanto isso, a desconfiança do consumidor cresce, minando a imagem do setor de combustíveis como um todo e retraindo investimentos de longo prazo.
Paula Moraes provocou: há um “modelo de negócio” institucionalizado pela omissão? O especialista distinguiu três frentes. Primeiro, a alta carga tributária combinada com enorme complexidade (ICMS, PIS/Cofins e regimes interestaduais) cria incentivos para a sonegação e abre brechas de contencioso. Além disso, a figura do devedor contumaz, quem transforma o não pagamento de tributos em estratégia, segue sem tipificação clara e punição efetiva. Por fim, a ANP ampliou atribuições ao longo dos anos, mas não seu orçamento, perdendo capacidade de fiscalizar cerca de 50 mil postos no país.
Quais são os três vetores de solução imediata?
- Reforma do olhar tributário: simplificar cobrança (monofasia, valores específicos), reduzir brechas e alinhar incentivos para diminuir a sonegação.
- Tipificação do devedor contumaz: separar quem atrasa pontualmente de quem frauda sistematicamente, com sanções proporcionais e efetivas.
- Fortalecer a regulação: dotar a ANP de orçamento e legitimidade institucional; articular com Procons, fiscos estaduais e órgãos de controle.
Nesse sentido, o avanço legislativo contra o devedor contumaz, reacendido pela “Carbono Oculto”, é visto como passo importante. Por outro lado, soluções apressadas que criem mais burocracia ou insegurança jurídica podem piorar o ambiente de negócios, a regra de ouro é calibrar enforcement sem paralisar quem opera de forma correta.
Rodrigues destacou fatores estruturais que também elevam preços: concentração do refino, baixa concorrência na origem do produto e infraestrutura logística cara (dependência rodoviária, poucos dutos). Enquanto isso, distorções regulatórias históricas e o vaivém de políticas de preços dificultam previsibilidade para novos investimentos. Resultado: menos oferta concorrencial, menor produtividade e, por consequência, combustível mais caro na bomba.
Além do setor de combustíveis: Brasil corre risco de “narcostado” aos olhos do investidor?
Para o convidado, o dano reputacional é real. Investidores estrangeiros exigem previsibilidade, cumprimento de regras e campo de jogo nivelado. Quando a concorrência desleal avança, o capital se retrai e quem financia a modernização da cadeia são empresas com acesso a crédito e mercado de capitais. Além disso, o setor tem papel logístico vital para o PIB: se a base de distribuição é contaminada por fraude e sonegação, todo o sistema de escoamento encarece e perde eficiência.
Questionado sobre se há saída prática, o especialista destaca: “sim, desde que a resposta seja coordenada“. O Congresso deve avançar em tipificações e simplificações; o Executivo, em dotação orçamentária e articulação entre ANP, Receita e fiscos; o Judiciário, em celeridade para coibir vantagens ilícitas persistentes. Enquanto isso, o mercado precisa reforçar compliance e rastreabilidade, além de pressionar por um desenho competitivo que fomente investimento em refino, armazenagem e dutos, com marcos estáveis e critérios técnicos transparentes.
Quais os riscos se nada mudar?
Por outro lado, a inércia cria um ciclo previsível: “Carbono Oculto 2”, com novos nomes repetindo velhas práticas. O crime migra entre elos (gás de cozinha, etanol) e contamina cadeias adjacentes. O consumidor paga duas vezes, na bomba e nos impostos e a agenda de transição energética perde tração por falta de ambiente competitivo. Enquanto isso, a imagem do país se deteriora, elevando o custo de capital e inviabilizando a expansão de capacidade produtiva.
O programa mostrou que o combate ao crime é condição necessária, mas não suficiente. É preciso rearrumar incentivos, fechar brechas e redesenhar processos para que a honestidade volte a ser a estratégia vencedora no setor de combustíveis. Se o país acertar nos três vetores, tributação mais simples, punição ao devedor contumaz e regulação fortalecida, o ganho de produtividade, a queda do prêmio de risco e a atração de investimentos podem, enfim, recolocar preço, qualidade e confiança nos trilhos.