Em entrevista ao BM&C News, o estrategista Gustavo Cruz avaliou o “day after” do encontro entre líderes que reacendeu expectativas de negociação comercial entre EUA e Brasil. O mercado reagiu imediatamente, em meio ao otimismo, o Ibovespa renovou máximas após sinais de que Washington pode discutir a revisão de tarifas aplicadas a uma ampla cesta de produtos brasileiros. A perspectiva de retomada de diálogo é relevante porque mexe com preços, margens e cadeias de exportação.
Segundo Cruz, o Brasil exportou cerca de US$ 40 bilhões para os Estados Unidos no ano passado, mas mais de 30% dos itens estariam sob alíquotas em torno de 50%. Nesse sentido, reduzir distorções em segmentos sem concorrência doméstica americana, como o açaí, seria um primeiro passo plausível. Além disso, a sinalização política pode redesenhar o humor dos investidores ao longo das próximas semanas, ainda que não elimine riscos e assimetrias.
EUA e Brasil: por que o mercado financeiro se anima agora?
O entusiasmo parte da leitura de que uma agenda de trabalho entre EUA e Brasil pode destravar gargalos comerciais criados por medidas amplas, originalmente desenhadas para proteger a indústria norte-americana. Por outro lado, a imprevisibilidade típica da negociação americana, especialmente quando o tema é sensível, exige cautela: muitas vezes, o processo começa por posições mais duras para depois ceder a concessões pontuais. Enquanto isso, o prêmio de risco vai se ajustando conforme surgem sinais mais claros de avanço.
Há também pressão “do outro lado do balcão”: importadores americanos de itens brasileiros veem pouco sentido em manter tarifas altas em produtos sem competição doméstica. Nesse sentido, a combinação de interesse privado e janela política aumenta a probabilidade de conversas efetivas, ainda que o escopo inicial seja restrito. Além disso, setores exportadores do Brasil que perderam competitividade por causa das tarifas podem se beneficiar de qualquer ajuste, mesmo que marginal.
Quais cenários para as negociações entre EUA e Brasil?
Para Cruz, o investidor deve mapear três linhas prováveis de resultado, com diferentes impactos táticos para ativos sensíveis ao comércio bilateral:
- Acordo focalizado: alívio tarifário seletivo em itens sem produção equivalente nos EUA (ex.: açaí). Efeito positivo imediato sobre volumes e margens de exportadores específicos.
- Sinal brando: criação de grupo de trabalho e cronograma de revisão, sem cortes imediatos. Efeito moderado, sustentando o “story” para bolsa e câmbio, mas dependente de entregas.
- Nenhuma mudança: manutenção do status quo e frustração de expectativas. Assimetria negativa para papéis que andaram precificando normalização rápida.
Nesse sentido, a recomendação é calibrar posições em ações expostas à pauta Estados Unidos, evitando concentrações excessivas antes de fatos concretos. Por outro lado, a simples redução de incerteza já tende a apoiar ativos brasileiros no curto prazo, ao suavizar o prêmio de risco comercial.
O que não deve entrar na mesa?
Mesmo em um cenário construtivo, não se espera que produtos estratégicos para a segurança industrial americana, como aço e alumínio, tenham alívio amplo. Cruz lembra que os EUA elevaram tarifas recentemente e o Brasil é um dos três maiores exportadores de aço para aquele mercado. Portanto, cortes substanciais nessas frentes parecem improváveis no curto prazo; a discussão deve se concentrar onde há “baixo conflito” competitivo e alto potencial de correção de distorções.
Além disso, a natureza política das tratativas sugere avanços graduais: primeiro, se corrigem os casos mais evidentes; depois, negociam-se listas adicionais. Enquanto isso, o investidor acompanha indicadores de fluxo, câmbio e termos de troca, já que pequenas mudanças de tarifa podem deslocar margens na ponta.
Como o investidor pode se posicionar diante de EUA e Brasil em negociação?
Uma abordagem pragmática combina exposição tática a cadeias exportadoras com maior probabilidade de alívio (alimentos in natura e nichos sem substituto nos EUA) e diversificação setorial para mitigar o risco de atraso nas entregas políticas. Além disso, monitorar comunicações oficiais, rooftops empresariais e reação de importadores americanos ajuda a antecipar quais listas podem “andar” primeiro.
Por outro lado, é essencial reconhecer que manchetes nem sempre refletem materialidade imediata. O rali recente da bolsa brasileira guarda relação estreita com fatores globais, como o ciclo de juros dos EUA e o apetite por risco em emergentes. Nesse sentido, eventuais “booms” pontuais por notícias políticas devem ser filtrados por fundamentos, volumes, preços e contratos, para evitar leituras excessivamente otimistas.
Janela de oportunidade com prudência
O possível reengajamento comercial entre EUA e Brasil abre uma janela para corrigir distorções e reenergizar fluxos de comércio, especialmente em nichos de baixa competição doméstica nos EUA. Entretanto, a trajetória será gradual e sujeita a ruído político. Além disso, setores estratégicos como aço e alumínio dificilmente terão mudanças substanciais neste primeiro momento.
A combinação de diálogo bilateral, pressão de importadores americanos e timing político cria um pano de fundo construtivo. Enquanto isso, o investidor deve manter disciplina: mapear beneficiários diretos, evitar concentração temerária e lembrar que, no curto prazo, a precificação da bolsa segue mais ancorada no ciclo global de juros do que em qualquer manchete isolada.