A inadimplência entre empresas brasileiras atingiu um patamar alarmante: 8 milhões de CNPJs negativados, somando mais de R$ 193 bilhões em dívidas, segundo dados da Serasa. Esse dado marca o sétimo mês consecutivo de crescimento, revelando um cenário de fragilidade financeira que preocupa tanto o mercado quanto os especialistas. Pequenas e médias empresas, principais responsáveis pela geração de empregos no país, são as mais afetadas e lideram essa estatística.
Para compreender as razões dessa escalada da inadimplência, a BM&C News entrevistou Max Mustrangi, CEO da Excellance e especialista em reestruturação de empresas. Ele aponta que o problema não é apenas conjuntural, mas estrutural, envolvendo queda de faturamento, perda de poder aquisitivo das famílias e dificuldades de acesso ao crédito. “Nesse sentido, o quadro atual configura um ciclo vicioso difícil de ser revertido sem mudanças mais profundas“.
Queda no mix de vendas e margens cada vez menores pressionam as empresas
Segundo Mustrangi, muitas empresas vêm sofrendo com a redução do volume de vendas e com o chamado “empobrecimento do mix de produtos”. Isso significa que os consumidores estão comprando menos e optando por itens mais baratos, o que resulta em perda de faturamento e, ao mesmo tempo, redução da margem de lucro por unidade vendida. “As companhias vendem menos e, quando conseguem vender, lucram menos, o que as leva em muitos casos a trabalhar no prejuízo”, afirma o executivo.
Além disso, esse movimento afeta diretamente o fluxo de caixa, obrigando as empresas a cortar custos ou buscar alternativas de financiamento, o que, no atual cenário de juros elevados, se torna cada vez mais inviável. “A consequência é clara: aumento da pressão sobre o caixa e maior risco de inadimplência corporativa“, explica.
O consumidor endividado agrava a crise nas empresas
Outro fator essencial nesse processo é a situação financeira das famílias. O especialista destaca que o endividamento das famílias e a inadimplência pessoal já estão próximos de níveis recordes. “Não sobra dinheiro ao final do mês. O consumidor é obrigado a escolher não apenas o que comprar, mas também quais contas pagar e quais deixar em aberto”, explica Mustrangi. Essa escolha forçada gera impactos diretos no faturamento das empresas, que veem sua receita cair mês após mês. Basicamente, consumidores e empresas estão vendendo o almoço para pagar a janta.
Os juros ao consumidor corroem ainda mais o poder de compra e de poupança da população. Por outro lado, esse ambiente de restrição financeira reduz o consumo em setores essenciais e cria um efeito dominó sobre os negócios, principalmente os de menor porte.
Sem crédito, como as empresas podem respirar?
Outro motivo para o aumento dos CNPJs negativados está no acesso restrito a crédito. Muitas empresas, altamente endividadas e sem geração consistente de caixa, não conseguem novas linhas de financiamento ou, quando conseguem, encontram condições que não se ajustam à sua estrutura de custos. “Sem crédito, o empresário entra em uma espiral de inadimplência no contas a pagar. Isso leva à perda de prazos com fornecedores e, em última instância, à recuperação judicial ou até à falência”, alerta Mustrangi.
Ele compara essa situação à falta de oxigênio durante a pandemia. “A asfixia de caixa é mortal para qualquer negócio que precisa de capital de giro para sobreviver”. Essa metáfora reforça como o ambiente atual se tornou hostil para os empreendedores que dependem de crédito bancário ou de linhas de financiamento acessíveis.
O governo tem participação direta nesse cenário que pressiona as empresas. “A ausência de austeridade fiscal, com déficits seguidos e dívida pública próxima a 80% do PIB, pressiona os juros para cima e encarece o crédito, asfixiando as empresas” avalia o especialista.
Além disso, políticas sociais amplas, que hoje subsidiam quase 90 milhões de brasileiros, acabam impactando o mercado de trabalho ao elevar custos de contratação e reduzir a eficiência das companhias. “Quando o governo mantém um Estado pesado, arrecadatório e ineficiente, cria um ambiente hostil para quem produz. Isso corrói margens, reduz liquidez e empurra cada vez mais empresas para a inadimplência ou para a recuperação judicial”, afirma o CEO da Excellance.
Quais os riscos para o futuro do mercado?
A combinação desses três fatores, queda no faturamento, consumidor endividado e crédito restrito, cria um ambiente que ameaça a sustentabilidade de milhares de empresas no país. Para Mustrangi, o problema é estrutural e exige medidas consistentes, tanto no campo da política econômica quanto no setor privado. Sem estímulos adequados ao consumo e linhas de crédito mais acessíveis, a tendência é que o número de CNPJs negativados continue crescendo.
Além disso, o impacto das grandes recuperações judiciais também gera efeitos em cascata, atingindo fornecedores e parceiros comerciais. Ou seja, quando uma grande companhia entra em recuperação, várias menores acabam sendo arrastadas para a inadimplência. Nesse sentido, a crise não se limita a determinados setores, mas compromete toda a cadeia produtiva.
Possíveis caminhos para romper o ciclo
Na visão de Mustrangi, o governo tem um papel protagonista para romper o ciclo de inadimplência empresarial:
- Austeridade fiscal: reduzir déficits e a dívida pública para baixar o risco fiscal e, consequentemente, o custo do dinheiro.
- Eficiência da máquina pública: diminuir o tamanho do governo e cortar ineficiências que drenam recursos da economia produtiva.
- Ambiente favorável ao crédito: criar condições para juros mais baixos, maior oferta de crédito e incentivo à produtividade.
Sem esses pilares, afirma o CEO da Excellance, “o país seguirá preso a um ciclo de endividamento e inadimplência, afastando investidores e comprometendo o futuro das empresas brasileiras“.
Empresas pressionadas em alerta: até quando vão agentar
Enquanto isso, o número de CNPJs em situação crítica deve servir de alerta para investidores, empresários e autoridades públicas. O futuro das empresas brasileiras dependerá da capacidade de reverter esse ciclo de endividamento e criar um ambiente mais favorável ao crescimento sustentável.
A questão que permanece é: até quando o Brasil vai tolerar que milhões de empresas sobrevivam à base de improviso, com crédito restrito e consumidores endividados? Será que o governo continuará apostando em soluções paliativas, ou finalmente terá coragem de enfrentar as causas estruturais dessa espiral? A resposta pode definir não apenas o futuro das empresas, mas o rumo da própria economia brasileira.