No Painel BM&C, apresentado por Paula Moraes, os economistas Roberto Dumas, Bruno Musa e Alex André avaliaram o momento de risco para o Brasil, em um cenário que combina tensões diplomáticas com os Estados Unidos, incertezas jurídicas internas e a deterioração das contas públicas. O ponto de partida do debate foi a leitura de que o risco Brasil deixou de ser “um número de planilha” para se tornar um fato político e econômico, com reflexos no câmbio, na bolsa e na percepção de investidores estrangeiros.
Os convidados discutiram os possíveis desdobramentos de novas sanções anunciadas por lideranças em Washington e os efeitos de curto e médio prazo sobre fluxo de capitais, custo de financiamento e atratividade do país. Enquanto isso, internamente, a trajetória da dívida pública e a pressão por juros mais baixos mantêm a política monetária no centro da discussão.
Sanções: efeito imediato depende do alvo e do desenho
Para Bruno Musa, o impacto de sanções “depende de como vierem”. Na sua avaliação, punições individuais, como as já aplicadas a autoridades específicas, tenderiam a produzir pouco efeito sistêmico imediato sobre risco país e setor bancário. O alerta, porém, recai sobre eventuais tentativas de impor obrigações a bancos: por se tratarem de instituições privadas, poderiam encerrar unilateralmente relações com sancionados por compliance, sem afrontar ordens do STF, o que reduziria a chance de estresse de liquidez.
Alex André acrescentou a ótica do investidor estrangeiro: a mera existência de sanções contra personagens do topo do Judiciário adiciona um “risco judiciário” ao já conhecido risco político e regulatório. Em seu diagnóstico, num mundo com diversas alternativas em mercados emergentes, a previsibilidade institucional pesa tanto quanto retorno esperado e o Brasil já enfrenta queda no fluxo de capital diante de baixa produtividade e investimentos insuficientes.
O rali local é mérito do Brasil ou do ciclo global?
Na leitura de Alex, a alta recente do Ibovespa e a queda do dólar não são fenômenos exclusivamente domésticos. Com o início do ciclo de cortes de juros nos EUA, o apetite global por risk tende a aumentar e se pulveriza por emergentes, beneficiando o Brasil, México, Chile e outros pares. “Não é um fator isolado do Brasil”, disse. Dumas reforçou a decomposição: segundo ele, a apreciação do real tem forte componente externo, com a depreciação do DXY explicando boa parte do movimento.
Nesse ponto, Dumas diferiu de explicações automáticas baseadas apenas no diferencial de juros: “carry trade não é simplesmente diferencial entre Selic e Fed Funds; conta a paridade de juros na mesma moeda e a expectativa de câmbio”. Assim, episódios de valorização do real exigem cuidado para não superestimar a contribuição local quando o dólar global se enfraquece.
O risco Brasil vem de fora ou de dentro?
Questionado sobre a principal fonte de vulnerabilidade, Musa foi direto: “o erro vem 100% de dentro”. Para ele, a combinação de expansão de gastos obrigatórios e ausência de trajetória crível para o resultado primário empurra a dívida a uma dinâmica “explosiva” se nada mudar. Dumas compartilhou o diagnóstico estrutural: com déficit primário, custo de carregamento elevado e eleições pela frente, a curva de juros embute prêmio alto e o risco fiscal segue como o “gap” que diferencia o Brasil de outros emergentes.
Além disso, Dumas descartou, no atual estágio, a hipótese extrema de exclusão do Brasil do SWIFT, classificando-a como cenário de guerra, mas alertou para segundas derivações: sanções a figuras do Judiciário acendem questionamentos sobre a robustez institucional, fator que pesa no longo prazo ao lado do quadro fiscal.
Curva de juros, dominância fiscal e o teste do pré-fixado
Na semana de decisões de juros, o painel conectou política monetária e risco fiscal. Dumas sugeriu um “exame de realidade” via Tesouro: promover leilões de títulos pré-fixados para medir a demanda e o prêmio exigido pelo mercado. Caso a aceitação seja baixa, ficaria mais evidente que não é possível “resolver” a dívida com cortes artificiais de Selic sem enfrentar o fiscal, risco de flertar com dominância fiscal, quando juros mais altos pioram dívida, elevam prêmio e pressionam câmbio e inflação em círculo vicioso.
Alex destacou que o próprio discurso oficial reconhece o peso dos juros no serviço da dívida, mas alertou que atacar o “termômetro” não reduz a febre, sem ajuste crível, a curva permanece pressionada, encarecendo o custo de capital e desestimulando investimento produtivo.
ONU, diplomacia e credibilidade do Brasil
O programa também abordou o contexto da Assembleia Geral da ONU, diante de relatos sobre restrições de vistos e a possibilidade de discursos com tom de confronto. Dumas avaliou que a retórica contra pilares do “consenso de Washington” e a busca ostensiva por protagonismo em temas geopolíticos podem isolar o Brasil e confundir sinais ao investidor. Musa reforçou o apelo ao pragmatismo, brigas públicas com o maior investidor de longo prazo do país não servem ao objetivo de atrair capital estável.
O que pode virar preço no curto e no médio prazo?
- Curto prazo: sanções pessoais tenderiam a ter efeito limitado; choques tarifários ou medidas que atinjam o sistema financeiro seriam mais sensíveis.
- Médio prazo: persistência do risco fiscal, dúvidas institucionais e ruído diplomático corroem prêmio de confiança, elevam o custo do capital e travam projetos de longo prazo.
- Ciclo global: corte de juros nos EUA sustenta o apetite por risco e ajuda emergentes, mas não substitui uma âncora fiscal doméstica.
Há saída? O que reancora expectativas?
Para Musa, um “choque de qualidade” com foco em superávit primário e previsibilidade poderia rapidamente fechar a curva, fortalecer o real e dar fôlego à bolsa. Alex lembrou que a confiança se perde rápido e leva tempo para ser reconstruída; por isso, coerência entre discurso e prática é condição para reverter a percepção de “risco judiciário” e regulatório. Dumas concluiu que, enquanto o mundo ajuda com o dólar mais fraco, cabe ao Brasil aproveitar a janela e atacar o problema que é, sobretudo, doméstico: tirar a dívida de uma trajetória explosiva e devolver credibilidade à política econômica.