O ministro Cristiano Zanin derrubou o processo contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva com um movimento certeiro: questionou o foro através do qual Lula fora julgado. Seu colega, Luiz Fux, usou um argumento parecido para pedir a anulação do processo contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e outros acusados de atos golpistas.
Fux defendeu que o Supremo Tribunal Federal não deveria julgar réus sem prerrogativa de função. Ele propôs a anulação total do processo, alegando incompetência absoluta do STF e sugerindo que a ação fosse reiniciada em outra instância. Apontou também cerceamento de defesa diante do volume de informações e descartou a acusação de organização criminosa armada.
Foram mais de 70 terabytes de dados entregues às defesas de forma massiva e desorganizada, o que ele chamou de um verdadeiro “tsunami de informações”. Segundo Fux, essa entrega caótica comprometeu a capacidade dos advogados de analisar tecnicamente o material, especialmente diante do curto intervalo de 161 dias entre o recebimento da denúncia e o início do julgamento. Ele comparou esse prazo ao do Mensalão, que levou dois anos para ser julgado.
Curiosamente, inundar o oponente com informações foi a técnica utilizada pela defesa de Bill Browder contra os acusadores russos em um tribunal americano. Como se sabe, Browder foi o investidor americano de cidadania britânica que trabalhou incansavelmente pela aprovação da Lei Magnitsky nos Estados Unidos e por similares em outros países. Lei essa que está sendo brandida contra o STF sob a alegação de defender a liberdade de expressão no Brasil.
O voto de Fux pela anulação total do processo causou surpresa e desconforto entre os demais ministros da Primeira Turma. Embora tecnicamente fundamentado, o voto foi visto como contraditório, já que ele havia anteriormente votado pela aceitação da denúncia. A defesa da neutralidade institucional, feita por ele em meio a um julgamento de forte carga política, gerou reações silenciosas mas eloquentes: Moraes e Dino fizeram caras e bocas, mas se mantiveram concentrados em seus computadores, Cármen Lúcia fez anotações em silêncio e Zanin acompanhou com atenção.
A pergunta que não quer calar, agora, é: como Zanin vai votar, já que há semelhanças entre o voto do colega e de sua estratégia para livrar Lula da cadeia? Ambos convergem na defesa do princípio do juiz natural, que baseia o questionamento do foro, mas divergem em seus contextos e objetivos. Fux busca preservar a institucionalidade; Zanin, garantir direitos fundamentais.
Mas, afinal, Fux tem razão em dizer que o STF não é o foro adequado para julgar essa questão? Em março de 2025, o Supremo firmou um entendimento segundo o qual crimes cometidos durante o exercício do cargo e em razão das funções mantêm a competência da alta corte mesmo após o fim do mandato. Ou seja, se os atos golpistas atribuídos a Bolsonaro e seus aliados foram praticados enquanto ele era presidente, e em função do cargo, o foro permaneceria no STF.
Já naquela época, Luiz Fux discordou deste entendimento, alegando que a nova posição não poderia ser aplicada retroativamente aos fatos ocorridos entre 2021 e 2023. Para ele, o processo deveria ter tramitado na primeira instância da Justiça Federal. Mas os demais ministros — como Alexandre de Moraes e Flávio Dino — rejeitaram essa preliminar, sustentando que o STF já havia decidido manter a competência para julgar todos os casos relacionados aos atos antidemocráticos de 8 de janeiro.
Diante disso, portanto, o voto de Fux não poderia ser recebido com assombro. Mas foi justamente essa a sensação experimentada por juízes e advogados de defesa — especialmente quando ele votou pela absolvição de Bolsonaro. A defesa do ex-presidente, inclusive, ganhou esperanças na interpretação do ministro, que abriria a possibilidade de anulação do processo. Mas isso só será possível quando houver uma nova conjunção de forças no STF. Caso um candidato de oposição chegue à presidência, terá a primazia de escolher três novos juízes até o final de seu mandato, o que deve mudar a distribuição de poder dentro da corte.
Enquanto isso não ocorre, permanece a dúvida: como votará Cristiano Zanin?