No Painel BM&C, Paula Moraes recebeu Bruno Musa, economista, Marco Saravalle, CIO da MSX e Miguel Daoud, analista de economia e política, para avaliar os desdobramentos da política argentina e seus efeitos sobre o mercado brasileiro. O ponto de partida foi a derrota de Javier Milei na província de Buenos Aires e o impacto dessa sinalização para as reformas econômicas.
Enquanto a Argentina enfrenta inflação ainda elevada, reservas pressionadas e um Congresso fragmentado, o Brasil convive com um quadro misto, com bolsa em máximas nominais, mas sob a sombra de juros altos, risco fiscal e embates institucionais. Nesse sentido, a conversa destacou como a geopolítica, inclusive a tensão entre Estados Unidos e China, tem reprecificado riscos na região e afetado fluxos de capital.
Argentina: autocrítica, reformas e o recado das urnas
Bruno Musa ressaltou que a derrota em Buenos Aires exige “autocrítica” e ajuste no discurso do governo argentino, pontuando que houve melhora em indicadores de curto prazo, como inflação mensal mais baixa e recomposição parcial de reservas, mas sem alívio visível ao bolso da população. Além disso, ele lembrou que a eleição foi local e que as nacionais, em 26 de outubro, podem ter dinâmica diferente.
Por outro lado, Marco Saravalle alertou contra o “modismo” de investir na Argentina sem considerar a natureza volátil da região. Para ele, a metáfora do “pássaro que saiu da gaiola” ilustra a transição difícil de um Estado provedor para um ambiente de mais liberdade econômica, a adaptação social leva tempo e pode gerar frustrações no caminho.
Miguel Daoud contextualizou a insatisfação global pós-2008 e avaliou que a agenda de mudanças costuma enfrentar resistência quando o ganho econômico demora a chegar à base da pirâmide. “Sem separar economia de ideologia, o debate descamba”, disse, ao defender respostas práticas para problemas imediatos de renda e custo de vida.
O que o mercado está precificando no Brasil?
O trio concordou que o rali da bolsa reflete múltiplos vetores. Saravalle destacou o componente externo, expectativa de queda de juros nos EUA e rotação de risco favorecem emergentes. Enquanto isso, no micro, empresas listadas estariam mais eficientes após a pandemia, com estrutura de capital melhor ajustada. Nesse sentido, a alta seria sustentada por fundamentos e por um preço de entrada que estava descontado.
Ainda assim, Musa ponderou que, em dólares, o índice brasileiro (EWZ) segue “de lado” há anos, sinalizando estagnação estrutural. Além disso, a curva de juros longa permanece elevada, refletindo incerteza fiscal e a percepção de que o custo de capital continuará alto por mais tempo. Daoud acrescentou que a retração de IPOs desde 2021 e a informalidade elevada pesam na profundidade do mercado de capitais.
Há espaço para quatro anos adicionais de populismo fiscal?
Musa avaliou que o arcabouço fiscal já foi alterado algumas vezes sem cumprimento das próprias metas, e que despesas “para fiscais” ganharam espaço. “Quando as reformas não vêm, a inflação faz o ajuste”, disse, chamando a atenção para o risco de corrosão do poder de compra como forma de ajuste implícito da dívida pública. Nesse sentido, ele destacou que inflação é um ‘imposto’ regressivo e politicamente tentador, pois não depende do Legislativo.
Daoud, por sua vez, argumentou que a estratégia do governo tende a priorizar medidas com impacto direto na renda de curto prazo, o que é politicamente eficiente, mas agrava o desafio de sustentabilidade fiscal. Saravalle também destacou que se o mercado precificasse um compromisso crível com o fiscal, o juro longo já teria cedido mais; o fato de não ter cedido indica ceticismo.
Qual o impacto político de Tarcísio e 2026 no preço dos ativos?
Os convidados reconheceram que pesquisas e movimentos recentes elevaram a probabilidade, ainda incerta, de alternância política em 2026, o que adiciona “prêmio de expectativa” a alguns ativos. Entretanto, Saravalle lembrou que o mercado “errou” ao tentar antecipar eleições anteriores; portanto, prudência segue necessária. Enquanto isso, o câmbio e a curva de juros continuam sendo termômetros do risco-país e da confiança na trajetória fiscal.
O que a derrota de Milei, da Argentina muda para o Brasil?
Em síntese, a leitura é que o episódio argentino reforça um alerta regional, reformas pró-mercado exigem legitimidade social, coordenação política e tempo de maturação. Além disso, a geopolítica adiciona ruído, tarifas, redesenho de cadeias e realinhamentos estratégicos afetam preços de ativos e decisões de investimento. Para o investidor, o recado é monitorar política e fiscal com o mesmo rigor aplicado a balanços corporativos.
Quais sinais devem guiar o investidor nos próximos meses?
- Política monetária externa: ritmo de cortes nos EUA e repercussões para fluxos em emergentes.
- Trajetória fiscal: metas, cumprimento e eventuais “atalhos” para acomodar gastos.
- Atividade e resultados: resiliência operacional das empresas listadas e guidance para 2026.
- Ambiente político: narrativa eleitoral, governabilidade e reformas viáveis no próximo ciclo.
O mercado está ignorando a política?
Para Saravalle, “quem ignora a política erra o preço do risco”. A mensagem final do Painel BM&C é clara: se, por um lado, a bolsa pode capturar ganhos táticos com o ciclo global e uma dose de otimismo doméstico, por outro, a precificação de longo prazo depende de estabilidade institucional e compromisso fiscal. Enquanto isso, o investidor precisa separar ruído de tendência e lembrar que, na América Latina, o teste das urnas é tão relevante quanto o dos balanços.