Nove entre dez analistas políticos criticaram o discurso do governador Tarcísio de Freitas na manifestação de domingo, na Avenida Paulista, em São Paulo. Tarcísio abraçou com veemência a bandeira bolsonarista, pediu anistia e subiu o tom, criticando o ministro Alexandre de Moraes. “Deixa o [ex-presidente Jair] Bolsonaro ir para a urna. Qual o problema?”, afirmou. “Ele é nosso candidato e, indo para a urna, vai vencer a eleição.”
O que dizem esses analistas políticos? Que Tarcísio é visto como um político que pode sensibilizar o eleitorado de centro – e esses eleitores são aqueles que acabam decidindo a eleição presidencial. Ao alinhar-se incondicionalmente com o bolsonarismo, o governador paulista corre o risco de perder a conexão com este grupo e ter prejuízos eleitorais.
Com todo o respeito à opinião alheia, talvez essa visão esteja embaçada pela antipatia que muitos observadores políticos têm em relação ao ex-presidente e sua família. O fato, no entanto, é que a essa altura, Tarcísio não tem muito a perder e talvez seu único caminho seja mesmo o de defender o ex-presidente.
Vamos supor que Bolsonaro obtenha a tão comentada anistia e dispute as eleições de 2026, algo bastante improvável. Neste caso, Tarcísio iria para uma reeleição tranquila, não importando muito qual seria seu principal oponente (o ministro Fernando Haddad ou o vice-presidente Geraldo Alckmin). Ele teria batalhado pelo perdão a Bolsonaro e estaria livre para pensar em novos planos a partir de 2030, quando completará 55 anos de idade.
Mas vamos supor que isso não ocorra. Para que ele seja o candidato da direita, precisa da bênção de Jair Bolsonaro para ser o nome que consolidará as forças conservadoras, unindo os demais governadores que têm a mesma ambição (Ratinho Jr., Romeu Zema e Ronaldo Caiado) e a família do ex-presidente (Michelle, Eduardo ou mesmo Flávio).
Para que o ex-capitão o escolha, defender com unhas e dentes a anistia é o pedágio a pagar. E, diante disso, o governador não hesitou em comprar uma briga explícita com muitos ministros do STF.
Se a anistia não emplacar, as chances de Tarcísio ser confirmado candidato são altíssimas. E, neste cenário, ele teria de se dedicar a reconstruir pontes. A primeira seria com o eleitorado de centro, que pode ter ficado assustado com o tom ácido das palavras proferidas no último domingo.
Mas o centro não tem exatamente muitas opções (a não ser que surja um outro nome durante a disputa) para despejar seus votos no segundo turno contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por isso, ele acabaria sendo agraciado pelos centristas em uma disputa direta com Lula, apesar de sua ligação com o bolsonarismo (vamos lembrar que, apesar de comedido, o governador entrou na política graças ao ex-presidente).
Por fim, caso seja eleito, terá de acenar uma bandeira branca em direção ao Supremo, uma vez que nenhum presidente consegue gerir um país em pé de guerra com o Supremo Tribunal Federal. Uma vez aboletado no Palácio do Planalto, o governador poderá retomar o diálogo com os ministros do Supremo (em especial, Moraes) com o uso de interlocutores experientes e bons de diálogo, como Michel Temer e Gilberto Kassab.
Portanto, falar grosso, defendendo Bolsonaro e clamando por anistia, é o único caminho possível para Tarcísio. Sem isso, ele não poderá disputar o Planalto. O apoio do eleitorado de centro? Isso vai ficar para depois.
Mas se chegar lá, terá de trocar o tom e trilhar o caminho da diplomacia. Como disse Petrônio Portela, um dos artífices da transição democrática: “A transição será feita com os homens que estão aí. Não se faz democracia sem democratas, mas também não se faz sem os que estão no poder.” Ou seja; todos os personagens que estão na ribalta política de hoje serão necessários em uma eventual sucessão no dia de amanhã. Tarcísio parece ter entendido que, para estar no poder, primeiro é preciso saber como chegar lá. E, depois, como permanecer.