As manchetes dos dois maiores jornais de São Paulo, ontem, tinham chamadas aparentemente contraditórias. A do “Estado” dizia o seguinte: “Brasil deve ter gasto recorde de R$ 1,7 trilhão com servidores em 2025”. Já a Folha publicou o este título: “BC tem nove funcionários na segurança do Pix, alvo de ataques hackers”. Sabemos que o Estado gasta muito – e gasta mal. Mas para tudo há um limite. Sobre esse assunto, em 11 de novembro do ano passado, publiquei o seguinte:
“Há uma desproporção na distribuição do número de servidores. Enquanto temos gente sobrando na administração do Executivo, Judiciário e Legislativo, há pouca mão-de-obra em autarquias como o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários ou agências reguladoras, como a Agência Nacional de Energia Elétrica.
Para piorar, temos 10.000 funcionários públicos em cargos totalmente esdrúxulos como açougueiro, vaqueiro ou – pasmem – vendedor de artesanato. Outro exemplo? Em plena era da inteligência artificial, há gente lotada no serviço público na função de ascensorista, quando há décadas os elevadores funcionam por conta própria”.
Temos 573.000 funcionários públicos na esfera federal. E apenas nove para garantir a segurança de transferências financeiras? Isso é inacreditável e a culpa não parece ser do Banco Central, que desde a gestão de Roberto Campos Neto reclama da falta de profissionais qualificados.
O governo federal, questionado pela “Folha de S. Paulo”, emitiu uma nota afirmando que havia aberto cem vagas para suprir a falta de funcionários no BC. É o caso de se pensar: há quase 600.000 colaboradores lotados na área federal. Por que contratar mais? Não seria o caso de localizar quem poderia ser deslocado para a segurança das transações financeiras? Não é possível que não existam pelo menos 100 pessoas com esse perfil entre o mundaréu de gente que recebe um contracheque estatal.
O crime organizado, enquanto temos apenas nove pessoas lidando com a segurança do Pix (é algo tão absurdo que precisamos repetir esse número), faz a festa. Entre julho de 2024 e junho de 2025, mais de 24 milhões de brasileiros caíram em golpes financeiros envolvendo Pix e boletos bancários. Isso mesmo: quase 14% da população adulta já foi lesada, somando um prejuízo absurdo de R$ 29 bilhões, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
A recuperação dos valores? Praticamente simbólica. Só 8% do dinheiro contestado volta para o bolso das vítimas. Enquanto isso, o Banco Central corre atrás para melhorar os mecanismos de devolução, mas a verdade é que o país ainda está longe de conseguir enfrentar esse problema de frente.
O fato é que, infelizmente, o Brasil virou o playground dos criminosos digitais.
Em 2024, os estelionatos digitais cresceram 13,6%, somando mais de 2,1 milhões de casos e cerca de R$ 10 bilhões em prejuízos. E tem mais: as violações de dados podem ter custado R$ 2,3 trilhões à população brasileira. Enquanto os criminosos online operam em escala industrial, o Brasil responde com uma estrutura de segurança que beira o improviso, como vimos no caso do BC divulgado pela “Folha”. Mesmo que o Banco Central contasse com todas as ferramentas de inteligência artificial do mundo para coibir as fraudes, está tentando conter um incêndio usando apenas um balde furado. Mais uma demonstração inequívoca de incompetência do Estado.