A movimentação dos Estados Unidos na América Latina voltou ao centro do debate após a decisão do presidente Donald Trump de enviar navios de guerra à costa da Venezuela. A medida reacendeu discussões sobre a influência norte-americana na região, o papel do narcotráfico e a disputa geopolítica envolvendo potências como China e Rússia. Para o professor de Relações Internacionais Marcus Vinicius de Freitas, a situação revela tanto os riscos de uma intervenção quanto os limites da política externa americana.
Em entrevista ao programa BM&C Visões, o especialista destacou que qualquer quebra de ordem institucional precisa vir acompanhada de um mecanismo de substituição imediato. “A história recente mostra que quando os Estados Unidos derrubaram governos no Afeganistão, no Iraque e na Líbia, os cenários que se seguiram foram ainda piores. O perigo é sempre o dia seguinte”, afirmou.
Qual é o real objetivo dos EUA na Venezuela?
Segundo o professor, a iniciativa de Trump pode ter buscado fortalecer a oposição interna ao regime de Nicolás Maduro. No entanto, ele pondera que a última coisa que os norte-americanos desejam neste momento é uma Venezuela instável. Isso porque um conflito no país vizinho poderia desencadear novas ondas migratórias para os Estados Unidos, além de afetar a estabilidade regional, impactando diretamente Brasil e Colômbia.
Freitas lembra ainda que a retórica do combate ao narcotráfico tem servido como justificativa para essas movimentações. Contudo, ele ressalta que os EUA insistem em atacar apenas a produção, quando parte significativa do problema está na rede de distribuição dentro do próprio território americano. “Combater apenas na base não resolve. É preciso atacar também os mecanismos internos que sustentam esse mercado”, disse.
O papel da China, Rússia e o risco de intervenção
Questionado sobre o peso das alianças da Venezuela com Rússia, China e Irã, o professor apontou que esse fator impõe limites a qualquer ação militar americana. Além disso, a instabilidade que uma intervenção poderia causar teria reflexos diretos sobre países vizinhos, sobretudo o Brasil, que teria de lidar com fluxos migratórios e pressões econômicas.
Ele destacou que a política brasileira com relação a Caracas foi equivocada desde os anos 1990, ao apostar em uma parceria estratégica que, na prática, não se sustentou. “O Brasil acabou sendo visto como um dos grandes apoiadores da manutenção do regime chavista, e isso reflete negativamente na percepção da opinião pública venezuelana sobre nós”, afirmou.
BRICS e a disputa por uma nova ordem internacional
Outro ponto central da entrevista foi o fortalecimento do bloco BRICS. Para o professor, o crescimento da articulação entre Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul representa uma busca por maior representatividade global e pela construção de um mundo multipolar. “Enquanto o G7 segue fechado desde 1976, mais de 40 países querem ingressar no BRICS. Isso mostra que existe demanda por uma governança internacional mais inclusiva”, observou.
Na visão do professor, o Brasil pode ter papel relevante nesse processo, desde que invista em infraestrutura e crescimento econômico sustentável. “Se o país atingir patamares mais elevados de renda per capita, pode assumir um protagonismo que hoje ainda é limitado pela falta de planejamento interno”, avaliou.
O “tarifaço” e os desafios para o Brasil
Freitas também analisou o impacto do chamado tarifaço anunciado por Trump contra o Brasil, que elevou em 50% os impostos sobre determinados produtos. Para ele, mais do que uma tarifa, a medida equivale a um embargo, e expõe a fragilidade da política externa brasileira. “Erramos na estratégia. Enquanto países como a China diversificaram parceiros diante das sanções, o Brasil respondeu com improviso e ausência de planejamento”, criticou.
O professor ressaltou que essa dependência histórica em relação aos EUA limita a autonomia do Brasil. “É hora de diversificar as relações comerciais. A Ásia e a África oferecem mercados crescentes, e precisamos parar de pensar apenas na relação de subserviência com os Estados Unidos”, disse.
Uma visão de futuro
Ao projetar o cenário global, Freitas avaliou que o mundo passa por uma transição inevitável em direção ao multilateralismo. Apesar das tensões atuais, ele acredita que os riscos de grandes conflitos são menores do que no século passado. “Toda transição é difícil, mas a ascensão de novos atores globais pode trazer mais equilíbrio às relações internacionais”, concluiu.
Para o professor, o Brasil precisa aproveitar o momento para repensar sua posição no tabuleiro internacional. “Temos potencial para sermos muito mais altivos, mas isso depende de escolhas internas. Se investirmos em crescimento e infraestrutura, poderemos finalmente assumir o lugar que nos cabe no cenário global”, finalizou.