Nos últimos dias, a combinação de dois fatores desgastou a relação entre os políticos do Centrão e o ex-presidente Jair Bolsonaro. Até recentemente, os centristas diriam amém para tudo o que Bolsonaro dissesse e esperavam pacientemente que ele mostrasse uma direção para a eleição de 2026, uma vez que o ex-mandatário se encontra inelegível.
Mas houve o tarifaço, atribuído à movimentação do deputado Eduardo Bolsonaro, que deu novo fôlego ao governo. Além disso, tivemos a divulgação de áudios constrangedores trocados entre o ex-presidente, o filho parlamentar e o pastor Silas Malafaia. A combinação destes fatores foi suficiente para arranhar a imagem da família Bolsonaro e fazer o Centrão perder a paciência.
Diante disso, os políticos deste grupo resolveram seguir os empresários e banqueiros: daqui para frente, vão apoiar explicitamente a candidatura do governador Tarcísio de Freitas. Um dos sinais desta tendência foi o jantar feito na casa de Brasília do presidente do União Brasil, Antonio de Rueda. Neste encontro, em tese para celebrar a federação composta pelo próprio União e PP, a grande estrela foi Tarcísio, que é filiado a outro partido, o PR. No jantar, foram discutidas estratégias para 2026 e Tarcísio pediu união entre aqueles que fazem oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Os atores que se movimentam nos bastidores já fizeram a escolha e resolveram se mexer – mas estes são personagens que estão fora do radar das redes sociais e, portanto, longe da ira dos bolsonaristas mais radicais. Já os protagonistas – em especial o próprio Tarcísio e os governadores Ronaldo Caiado, Romeu Zema e Ratinho Jr. – precisam ainda se preservar da ira digital dos bolsonaristas.
Por isso, continuarão a defender Bolsonaro em público e exaltar sua importância no processo de sucessão. Mas os quatro pré-candidatos precisam se equilibrar entre a defesa do ex-presidente e o dever de gerir seus estados. Neste caso, os quatro precisam manter uma relação civilizada com o governo federal e com o Poder Judiciário. Dessa forma, vão agir com moderação em relação a Lula e ao ministro Alexandre de Moraes – e isso é exatamente o oposto daquilo que deseja a direita mais radical.
O Centrão é composto de políticos astutos e pragmáticos, que desejam estar no poder e não pensam duas vezes em rifar aliados em nome de uma possível vitória na próxima eleição. Estes deputados e senadores perceberam que, de um lado, Lula sofre de grande rejeição, embora tenha se recuperado um pouco de uma desaprovação que teimava em subir continuamente. De outro, Bolsonaro também sofre os efeitos negativos de seu estilo conflituoso e agressivo.
Dessa forma, o instinto de sobrevivência falou mais alto e o apoio ao governador paulista veio para ficar. Mas uma dúvida ainda persiste: como Tarcísio vai agir em relação a Bolsonaro daqui para a frente? Como vai ser sua relação com os colegas que também estão de olho no Planalto?
Em primeiro lugar, os centristas podem ter desembarcado do barco bolsonarista, mas Tarcísio segue firme ao lado daquele que o lançou na política. Ele não quer repetir o efeito sentido pelo ex-governador João Doria, que foi eleito com o apoio de Bolsonaro e rompeu com o então presidente em plena pandemia. Ao mesmo tempo, ele precisará convencer seu secretário e presidente do PSD a abraçar sua candidatura – hoje, oficialmente, Gilberto Kassab apoia Ratinho Jr., que é seu companheiro de sigla.
Até agora, Tarcísio jogou parado e viu as peças do tabuleiro político se mexendo ao seu redor. Mas, agora, o jogo vai ganhar uma nova dimensão. É a partir de setembro que o governador – instigado pela Faria Lima – terá de se movimentar para costurar acordos e angariar apoios. Caso fique inerte, poderá ser engolido por outro pré-candidato com maior apetite, como parece ser o caso de Caiado e Ratinho.