O novo tarifaço anunciado por Donald Trump já arrecadou mais de US$ 150 bilhões, mas especialistas alertam que os efeitos colaterais podem ser severos: inflação nos Estados Unidos, desaceleração do comércio global e uma pressão crescente sobre economias frágeis, como a do Brasil.
Durante o programa Painel BM&C, apresentado por Paula Moraes, os economistas Bruno Musa, Roberto Dumas e o CEO da AZ Quest, Walter Maciel discutiram os impactos do tarifaço, a crescente instabilidade nas contas externas do Brasil e os riscos de tensionamento com os Estados Unidos, em meio a uma conjuntura política e fiscal delicada.
O tarifaço impulsiona os EUA ou prepara terreno para nova crise?
Para Dumas, o tarifaço é um instrumento de curto prazo que esconde um risco inflacionário persistente. “O CPI já está em 2,7% e o PCE em 2,6%. O Fed está no dilema entre controlar a inflação e manter o pleno emprego”, afirmou. Ele destacou que os investimentos nos EUA caíram 16% no 2º trimestre, e que a reposição de estoques será feita a um custo maior.
Já Bruno Musa observou que as tarifas se tornaram parte de um reposicionamento estratégico dos EUA diante da China. “Trump está ajustando a lógica do comércio internacional. O tarifaço não é só econômico, é também geopolítico. A China pratica dumping e manipulação cambial há décadas”, disse Musa.
Como o tarifaço afeta o Brasil?
O Brasil entra nesse cenário com fragilidades evidentes. O país possui um déficit em conta corrente de 3,4% do PIB e depende de capital especulativo para financiar esse desequilíbrio. “O investimento direto estrangeiro cobre apenas 2%. O restante vem de portfólio, que pode sair ao menor sinal de instabilidade”, alertou Dumas.
A desvalorização do real é um risco adicional. Segundo os analistas, o BC teria que intervir vendendo reservas internacionais, atualmente em US$ 344 bilhões, o que poderia pressionar a base monetária e os juros. “O risco é grande, e a tendência não é nossa amiga”, afirmou Dumas.
Existe lógica na tentativa de desdolarizar?
O programa também discutiu a proposta do presidente Lula de buscar alternativas ao dólar. Para Dumas, a ideia é impraticável. “Você vai trocar o dólar por qual moeda? O yuan não é conversível. Não dá para investir ou movimentar capital com liberdade. O discurso é político, mas sem eficácia prática”, explicou.
Walter Maciel reforçou: “Criamos animosidade sem ter força para retaliação. O Brasil vinha atraindo capital justamente por ser irrelevante geopoliticamente. Agora começa a incomodar, sem ganho nenhum em troca.”
O tarifaço fortalece o governo Lula ou enfraquece ainda mais o cenário?
Maciel acredita que o impacto do tarifaço pode até fortalecer o discurso nacionalista no curto prazo, mas os efeitos na economia serão nocivos. “É uma aposta de marketing que não dura 1 ano e 3 meses. A rejeição ao governo continua alta, e isso o mercado não ignora”, destacou.
Os três especialistas concordaram que o mercado ainda aposta em uma possível alternância de poder em 2026. “Estamos comprando um trade de transição. Se Lula insistir no populismo fiscal e tentar se reeleger, a corda fiscal pode estourar”, disse Dumas.
O Brasil tem saída em meio ao tarifaço e à crise fiscal?
Apesar do cenário complexo, Maciel destacou que o ajuste fiscal não é impossível. Ele sugeriu medidas de corte de gastos, revisão de benefícios e ajustes no salário mínimo e previdência. “Se fizer isso, o real se valoriza, os juros caem e o investimento volta. O mercado se ajusta rapidamente quando há credibilidade”, afirmou.
- Déficit em conta corrente: 3,4% do PIB
- Investimento direto: cobre apenas 2%
- Reservas internacionais: US$ 344 bilhões
- Dívida pública: R$ 7,3 trilhões
O alerta final é claro: ou o Brasil faz um ajuste sério ou será corrigido pela inflação, pela desvalorização e por um choque de confiança. E, neste ambiente de tarifaço global, o país não pode se dar ao luxo de errar mais uma vez.