A proposta de simplificar o sistema tributário brasileiro com a criação do IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) e da CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) é uma das mais amplas mudanças já discutidas no país. A expectativa da reforma é reduzir distorções econômicas e custos de conformidade, além de aumentar a transparência do sistema. Contudo, a transição para o novo modelo trará impactos jurídicos significativos, sobretudo nos contratos privados regidos pelo Código Civil.
Segundo Juan Mendez, advogado tributarista e sócio da VNP Advogados, o desafio está em adaptar cláusulas tradicionais a um novo ambiente normativo, especialmente em aspectos como responsabilidade tributária, reequilíbrio contratual e substituição de tributos extintos. Embora o Código Civil não tenha sido alterado, ele precisará ser reinterpretado diante da nova realidade.
Quais cláusulas contratuais estão mais expostas às mudanças da reforma?
A reforma extinguirá tributos como ICMS, ISS, PIS, COFINS e IPI, que são amplamente mencionados em contratos comerciais. Cláusulas relacionadas à formação de preço, repasse de tributos e retenções precisarão ser revistas. Calonge destaca que, embora seja possível manter os contratos com ajustes interpretativos, uma atualização legislativa pontual poderia trazer mais clareza e segurança jurídica.
Entre os pontos mais sensíveis, estão:
- Responsabilidade pelo pagamento de tributos entre as partes;
- Cláusulas de preço líquido de impostos e reequilíbrio contratual;
- Regras sobre retenção e substituição tributária em cadeias produtivas;
- Ajustes em contratos administrativos com incentivos fiscais locais.
“É natural que esse desalinhamento ocorra num primeiro momento. O importante é que haja um movimento coordenado entre o setor privado e os operadores do Direito para adaptar cláusulas e práticas com segurança e clareza. O desafio é grande, mas plenamente superável“, avalia o especialista.
Quem será responsável pelo recolhimento do IBS coma reforma?
A criação do IBS muda a lógica da arrecadação, o que exigirá atenção redobrada na elaboração de contratos. Em muitos casos, ainda não está claro se o tomador ou o prestador do serviço será o responsável pelo recolhimento, especialmente em operações interestaduais ou digitais.
“Enquanto a regulamentação não for concluída, as partes deverão negociar com mais precisão quem assume os riscos fiscais, inclusive quanto a erros de classificação tributária ou retenções indevidas“, afirma Mendez. Cláusulas preventivas ganharão relevância, com maior detalhamento sobre obrigações fiscais ao longo da cadeia.
As cláusulas de retenção e substituição vão ser revistas??
Sim, ao menos em parte. A substituição tributária do ICMS tende a ser extinta, o que tornará obsoletas muitas cláusulas contratuais hoje utilizadas para lidar com esse modelo. O mesmo vale para a retenção do ISS em contratos com entes públicos.
Esse movimento exigirá a revisão de contratos em larga escala. “É uma transição natural em direção a um sistema mais simples. Com o tempo, novas cláusulas padrão, compatíveis com o IBS e a CBS, e o mercado se ajustará com maior previsibilidade”, explica o tributarista.
Será necessário fazer aditivos contratuais em massa?
Segundo Mendez, muitas empresas terão que revisar seus contratos atuais, especialmente aqueles que mencionam tributos extintos ou utilizam cláusulas de reequilíbrio automático. No entanto, isso não deve ser motivo de alarme.
“O setor privado já enfrentou ajustes semelhantes nas reformas trabalhista e previdenciária. Agora, será necessário revisar modelos contratuais, capacitar equipes e estabelecer cláusulas de transição“, afirma. O processo é considerado um sinal saudável de adaptação e amadurecimento institucional.
O Código Civil será alterado por novo projeto de lei?
Por ora, a reforma não prevê mudanças no Código Civil, e isso é juridicamente aceitável. “O Código é suficientemente flexível para acomodar as mudanças, desde que haja técnica contratual e boa interpretação”, aponta o especialista. Ainda assim, uma atualização legislativa futura poderia oferecer mais segurança jurídica, especialmente para contratos empresariais e públicos.
Entre os pontos que poderiam ser abordados, estão:
- Regras para interpretação de cláusulas com tributos extintos;
- Possibilidade de revisão automática em certos casos;
- Diretrizes de transição para contratos com entes públicos.
Para Mendez, é essencial que a transição seja acompanhada por uma postura pedagógica das autoridades fiscais, evitando autuações precipitadas e permitindo que o setor privado se adapte de forma segura e coordenada.
A reforma tributária representa um avanço importante na estrutura fiscal brasileira, mas sua implementação exigirá atenção redobrada nos contratos empresariais e administrativos. O Código Civil, embora não alterado, precisará ser reinterpretado à luz da nova realidade fiscal.
“O momento exige coordenação entre empresas, advogados e o próprio fisco. O sucesso da reforma depende não apenas da arrecadação, mas também da segurança jurídica das relações privadas”, conclui Juan Mendez.