A possível adoção da “lei da reciprocidade” como resposta às tarifas impostas pelos Estados Unidos reacendeu uma série de debates sobre a posição do Brasil no cenário global. Mais do que uma discussão comercial, o episódio expõe a fragilidade de uma estratégia externa pautada por reações impulsivas, alinhamentos ideológicos questionáveis e uma crescente desconexão com os interesses das economias desenvolvidas.
A ofensiva tarifária liderada por Donald Trump, que impôs até 50% de imposto sobre produtos brasileiros, foi tratada com dureza pelo Palácio do Planalto. A resposta do Brasil, no entanto, levantou questionamentos sobre até que ponto o país tem, de fato, condições geopolíticas e econômicas para sustentar um embate direto com a maior potência do mundo.
Esses foram alguns dos temas centrais debatidos no programa Painel BM&C News, que reuniu os especialistas Bruno Musa, economista e sócio da Acqua Vero, Otavio Fakhoury, investidor, e William Castro Alves, estrategista-chefe da Avenue. Em tom crítico e com falas contundentes, os convidados analisaram o cenário com base em argumentos técnicos, dados concretos e exemplos históricos.
Bruno Musa comparou a situação a uma luta desigual: “É como uma criança de 10 anos querer brigar com um faixa preta de 25. Você só vai apanhar”. Segundo ele, o governo deveria olhar para si mesmo com mais realismo. “Se quiser mudar de rota, precisa reconhecer que está longe de ter a força que imagina ter.”
Otavio Fakhoury reforçou esse ponto ao lembrar da dependência estrutural brasileira em relação aos Estados Unidos. “A nossa conexão com os Estados Unidos não é só comercial. É histórica, cultural, militar, tecnológica. A gente importa deles o que não dá para substituir”, afirmou. Ele destacou que boa parte da infraestrutura digital do governo brasileiro está hospedada em nuvens americanas e alertou: “Se os Estados Unidos fizerem com o Brasil o que fizeram com a Rússia, tirando do Swift e proibindo investimentos, os efeitos seriam devastadores”.
Além do impacto econômico, o desalinhamento geopolítico preocupa. O Brasil, segundo os convidados, está flertando com regimes autocráticos em detrimento de laços históricos com democracias ocidentais. “Estamos nos aproximando de Irã, Rússia e China. Isso nos afasta do mundo ocidental. É uma escolha política que traz consequências econômicas”, alertou Fakhoury. Para ele, o país está servindo como “bucha de canhão” no jogo de poder entre potências globais.
William Castro Alves trouxe a percepção do investidor estrangeiro. “Lá fora, o Brasil virou a Guatemala. Aparece 30 segundos no noticiário e some”, relatou. Ele mencionou um relatório recente da BCA Research que classifica o país como “not worth the risk”, ou seja, um risco que não vale a pena para quem aloca capital globalmente. “A gente saiu de um bom momento de entrada de capital para virar um dos países menos atrativos no cenário atual”, acrescentou.
A retórica contra o dólar, repetida por Lula em fóruns internacionais, foi outro ponto criticado por Bruno Musa. Para ele, esse discurso não se sustenta na prática. “Temos 340 bilhões de dólares em reservas. Falar contra o dólar sem nenhuma ação concreta é um gerenciamento de risco infantil”, afirmou. Ele lembrou que a desdolarização global é um processo lento, guiado por forças de mercado, e que países como China e Japão também reduzem exposição ao dólar de forma silenciosa e estratégica, sem bravatas públicas.
No centro do debate está também a ausência de um plano claro para o futuro do Brasil. “O Trump tem um plano. Você pode gostar ou não, mas ele está fazendo exatamente o que prometeu”, disse Musa. “Já o governo brasileiro parece ter um plano, mas não é de desenvolvimento. É um plano de poder.”
Ele foi além ao afirmar que o atual modelo de governo visa perpetuar o controle por meio de dependência assistencial e enfraquecimento institucional. “Essa geração que está entrando no mercado de trabalho hoje é fruto de uma oportunidade desperdiçada. Ao invés de investir o superávit do boom das commodities em educação e produtividade, gastaram tudo. Resultado: 30% dos jovens são analfabetos funcionais.”
Otavio Fakhoury encerrou com um alerta à elite empresarial e financeira brasileira: “Está na hora da Faria Lima parar de olhar só para os próprios contratos. Um problema de longo prazo do Brasil vai virar um problema de curto prazo para todos nós”. Ele concluiu afirmando que o Congresso Nacional perdeu relevância institucional e virou um órgão decorativo, “sem capacidade real de impor limites ou legislar com independência”.
Para os convidados, em um ambiente de crescente incerteza institucional e fiscal, resta ao cidadão buscar proteção patrimonial. “Dolarize parte da sua vida. Nosso consumo já é dolarizado. Se você ficar só no CDI, vai ficar mais rico numa ilha cada vez mais pobre”, resumiu Castro Alves.
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