A recusa majoritária das empresas listadas às propostas de atualização do regulamento do Novo Mercado escancara a resistência estrutural a avanços em governança corporativa no Brasil. Apesar de um processo técnico, longo e participativo conduzido pela B3, a tentativa de modernização recebeu um recado direto do setor empresarial: não é hora de mudanças.
A revisão proposta foi resultado de mais de 60 reuniões com 120 companhias e recebeu 76 contribuições formais de agentes do mercado. Mesmo assim, 74 das 152 empresas votantes se opuseram integralmente às alterações. Apenas 8 aprovaram todas as sugestões, enquanto 70 aceitaram parte delas. Como o regulamento atual exige quórum qualificado, nenhuma das propostas avançou.
Novo Mercado emperra diante de aversão a risco e cenário instável
A votação ocorreu num momento delicado para o mercado de capitais brasileiro. A baixa liquidez da bolsa, a ausência de novas ofertas e a instabilidade econômica e política retraíram o apetite por reformas, inclusive aquelas que não envolvem custos adicionais. Para muitos conselhos de administração, qualquer mudança regulatória representa um risco — ainda que isso implique adiar melhorias estruturais.
Especialistas apontam que a rejeição evidencia um comportamento defensivo por parte das companhias, típico de períodos em que a previsibilidade do ambiente de negócios está comprometida. Com isso, a credibilidade do próprio Novo Mercado como referência em boas práticas pode sair arranhada.
Para a AMEC, recado é negativo para investidores
O presidente da AMEC (Associação de Investidores no Mercado de Capitais), Fabio Coelho, classificou o resultado como um retrocesso. “É um dia triste para o mercado de capitais. Os investidores não esperavam tamanha rejeição aos aprimoramentos propostos”, afirmou.
Coelho destacou que as mudanças estavam alinhadas às melhores práticas internacionais e não implicariam aumento de custo para as empresas. “Mesmo respeitando o processo democrático, a manutenção do status atual pode afastar investidores institucionais, que buscam ambientes com governança previsível e em constante evolução”, completou.
Debate sobre o Novo Mercado será retomado com foco no processo
A B3 já sinalizou que pretende reabrir o debate, desta vez com foco nos critérios de decisão para mudanças no regulamento. Desde sua criação, o Novo Mercado passou por cinco revisões, todas buscando ampliar a transparência e a proteção ao investidor.
O episódio recente, no entanto, expõe um ponto crítico: o atual modelo de autorregulação precisa ser repensado. É preciso encontrar um equilíbrio entre o poder de veto das empresas e o interesse coletivo do mercado, especialmente dos investidores de longo prazo.
Embora a proposta tenha sido rejeitada, o debate sobre o futuro do Novo Mercado se intensifica. Mais do que nunca, torna-se urgente refletir se o segmento segue preparado para liderar a agenda de governança no Brasil, ou se terá que redefinir seu papel no amadurecimento do mercado de capitais.