Pressionado pela impopularidade e pela relação desgastada com o Congresso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolveu colocar os parlamentares no mesmo balaio da estratégia que tenta jogar pobres contra ricos. Como se sabe, o governo sofreu uma derrota histórica ao ter a proposta que elevava as tarifas de IOF rejeitada pela Câmara e pelo Senado.
Lula e o ministro Fernando Haddad, então, passaram a distorcer a discussão em torno do tema. A iniciativa tinha como objetivo aumentar a arrecadação e tentar atenuar o déficit público. Diante da recusa do Congresso, porém, os governistas passaram a dizer que a medida procurava taxar os ricos, que não pagam imposto no Brasil (um flagrante exagero). Neste momento, o Parlamento também passou a ser um alvo de Lula e apoiadores, que começaram uma onda de postagens agressivas nas redes sociais.
O confronto saiu das redes sociais e foi para as ruas — mais precisamente para a avenida Faria Lima, em São Paulo. Ontem, pela manhã, um grupo do MTST invadiu o prédio que abriga a sede do Itaú BBA com palavras de ordem e gritos contra a revogação das novas alíquotas do IOF. “Não é mole não, taxar os super ricos para o avanço do povão”, gritaram os manifestantes. Pelo jeito, eles não entenderam que o governo também queria elevar o IOF cobrado junto às MEIs e aos empreendimentos registrados no regime Simples Nacional, que dificilmente abriga argentários e endinheirados. Além disso, diversos posts de entidades ligadas à esquerda inundaram as redes sociais, dizendo que o “Congresso é inimigo do povo”.
Este cenário, que chegou ao ápice na quinta-feira, foi registrado pelos grandes jornais, que estamparam editoriais sobre o assunto durante a semana. Ontem, por exemplo, o “Estado de S. Paulo” escreveu o seguinte em sua página de opinião: “Não satisfeito em se apresentar como o defensor dos pobres e retomar a obtusa ideia da ‘luta de classes’ para se contrapor a supostos interesses malignos das ‘elites’, o presidente Lula da Silva escolheu o Congresso, especialmente o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), como o bode expiatório da vez – para, assim, comprar briga pelo aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), pela tributação dos mais ricos sob o argumento de fazer justiça tributária e, de quebra, pela preservação do seu potencial eleitoral. Incapaz de evitar derrotas humilhantes no Legislativo, Lula e o PT passaram a insuflar a militância, identificando o Congresso como ‘inimigo do povo’, tornando-o alvo preferencial da retórica de sobrevivência do governo”.
A “Folha de S. Paulo”, um jornal visto pelos conservadores como uma publicação alinhada à esquerda, também deu uma cutucada nos petistas: “A estratégia de satanização das demais forças políticas, como se apenas o PT e seu entorno fossem capazes de fazer algo pelos pobres, é muito perigosa para um governo —como o demonstra o caso extremo da derrocada de Dilma. Não menos importante, perpetuam-se mistificações que aviltam o debate sempre urgente sobre o combate à pobreza e a desigualdade social”.
“O Globo”, em seu editorial publicado na terça-feira, também criticou o movimento de Lula: “Mais uma vez, o governo tenta justificar sua tentativa de promover um ajuste fiscal aumentando receitas, em vez de cortar gastos. A tática usada para fustigar o Congresso é um equívoco tanto do ponto de vista econômico quanto do político”.
No meio desta confusão, o presidente também criticou os empresários, uma vez que alguns segmentos econômicos, hoje, dependem de subsídios fiscais para sobreviver. Entretanto, mais uma vez, o governo recorre à demagogia para defender seus pontos de vista.
Vamos lembrar que durante os mandatos da presidente Dilma Rousseff, os incentivos fiscais atingiram patamares recordes, com renúncias que ultrapassaram R$ 1,8 trilhão entre 2011 e 2016, conforme estudos do Instituto Brasileiro de Economia da FGV, da UFRJ e da PUC-SP. O governo petista apostou massivamente em desonerações para setores como indústria, habitação e agronegócio, sem o retorno econômico esperado e aprofundando o desequilíbrio fiscal.
Hoje, no entanto, o presidente Lula — que apoiou integralmente essa estratégia em seu governo anterior e no de sua sucessora — tem adotado um discurso duro contra subsídios e incentivos, classificando-os como privilégios inaceitáveis. Essa mudança de postura, totalmente contraditória, levanta questionamentos sobre a coerência do Planalto diante das dificuldades fiscais atuais e da busca por credibilidade econômica.
Curiosamente, Lula foi eleito usando um discurso de frente ampla e defendeu em sua plataforma a responsabilidade fiscal. Seu slogan, que está para ser trocado, é “União e reconstrução”. O que se vê, no entanto, é a tentativa de promover uma discórdia constante, especialmente na tentativa de fomentar uma nova edição da “luta de classes” – e, do jeito que a coisa vai, o relacionamento com o Congresso pode seguir para uma fase destrutiva, com vetos partindo dos dois lados.
Já que o governo pensa em trocar sua assinatura nas propagandas oficiais, o novo slogan pode ser o seguinte, dada a a relação desastrada e desgastada com o Legislativo: “Discórdia e destruição”. Essa nova assinatura levaria nota zero em marketing. Mas obteria e nota dez em sinceridade.