O Congresso Nacional protagonizou um episódio raro nesta quarta-feira (25) ao derrubar, tanto na Câmara quanto no Senado, os decretos do governo federal que aumentavam as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A medida, que ainda precisa ser promulgada pelo presidente do Congresso, representa uma derrota simbólica para o Palácio do Planalto e marca a primeira vez desde 1992 que um decreto presidencial perde validade por decisão direta do Legislativo.
A articulação política foi acelerada e surpreendeu o governo, que ainda tentava negociar ajustes no texto junto a líderes partidários. Mesmo após editar um novo decreto com alíquotas menores e apresentar propostas alternativas, o Executivo não conseguiu reverter a insatisfação de parlamentares. A decisão revela um desgaste crescente na relação entre os Poderes e levanta discussões sobre os limites da arrecadação via decretos diante das pressões por responsabilidade fiscal e corte de despesas.
Crise política exposta no Congresso
Segundo o analista político Anderson Nunes, a revogação do decreto que aumentava o IOF representa “a mais contundente derrota legislativa enfrentada por Lula em seu terceiro mandato, e evidencia uma crise de articulação política no coração do governo”. Para ele, a votação amplamente desfavorável na Câmara, com 383 votos contrários ao decreto, e a aprovação simbólica no Senado escancararam “um governo fragilizado, que perdeu até o apoio de aliados com cargos estratégicos”. Nunes aponta que “a insatisfação entre os parlamentares, especialmente em relação à demora na liberação das emendas, foi o estopim para uma reação coordenada que ultrapassou o mérito tributário e assumiu contornos de retaliação política”.
Além disso, ele interpreta o episódio como um marco no relacionamento entre Executivo e Legislativo, comparando-o a “uma relação em crise, onde o diálogo institucional dá lugar à desconfiança e ao embate público”. Nesse cenário, segundo Nunes, o governo tende a enfrentar maiores dificuldades para aprovar projetos estruturais de sua agenda econômica, como a taxação de fundos exclusivos e investimentos isentos, “uma vez que sua base demonstra crescente autonomia e disposição para enfrentar o Planalto”. Para o analista, “a mensagem enviada pelo Congresso é clara: sem articulação efetiva e respeito aos interesses políticos da base, o Executivo continuará acumulando reveses”.
A conta chega: os efeitos do descompasso entre governo e Congresso
Miguel Daoud, analista de economia e política, vê na derrubada do decreto do IOF e na aprovação da ampliação do número de deputados federais uma síntese trágica do que chama de “descompasso estrutural” entre discurso e prática fiscal no Brasil. Para ele, o país vive uma espécie de ilusão orçamentária: enquanto se promete ajuste fiscal e responsabilidade nas contas públicas, Executivo e Legislativo atuam como se o orçamento federal fosse um instrumento de barganha política e não uma ferramenta de planejamento nacional. “O governo tenta aumentar impostos para cobrir rombos que ele mesmo amplia com novas despesas. Ao mesmo tempo, o Congresso, que rejeita esse aumento tributário com base no argumento justo de aliviar o contribuinte, aprova medidas que incham a máquina pública ainda mais”, aponta Daoud.
Segundo o analista, essa combinação de populismo fiscal e miopia política cria um ambiente tóxico para os investimentos, mina a credibilidade do país e expõe a população, especialmente a mais pobre, aos efeitos colaterais da irresponsabilidade governamental: inflação mais resistente, juros persistentemente altos e menor crescimento econômico. “O Brasil está sendo administrado com foco no curtíssimo prazo, em agendas eleitorais e não em reformas estruturais. Enquanto isso, a conta vai se acumulando e será cobrada das próximas gerações”, conclui.