O governo federal divulgou nesta quinta-feira (22) o Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas, apontando um total de R$ 31,3 bilhões em contenções no Orçamento de 2025. A medida tem como objetivo principal garantir o cumprimento da meta fiscal e das regras de controle de despesas previstas no novo arcabouço fiscal.
Segundo o Ministério do Planejamento e Orçamento, o montante será dividido entre R$ 20,7 bilhões em contingenciamento — uma limitação temporária de gastos, que poderá ser revista ao longo do ano — e R$ 10,6 bilhões em bloqueio definitivo, voltado a assegurar que as despesas não ultrapassem os limites previstos na legislação.
“Essas medidas são necessárias para manter o compromisso com o equilíbrio fiscal e a credibilidade das contas públicas. O bloqueio é uma salvaguarda adicional para respeitar o limite de gastos do arcabouço”, informou a pasta em nota oficial.
Os detalhes do corte, incluindo os ministérios mais afetados, ainda serão publicados em decreto nos próximos dias. A expectativa é de que áreas não prioritárias sofram os maiores ajustes, preservando despesas obrigatórias e programas sociais essenciais.
A divulgação ocorre em um momento de pressão sobre as contas públicas, com receitas abaixo do projetado e aumento de despesas obrigatórias. O contingenciamento é uma ferramenta usada pelo governo para ajustar o ritmo de gastos à arrecadação, evitando o descumprimento das metas fiscais fixadas na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).
Em abril, o Ministério da Fazenda já havia alertado para um possível bloqueio caso as receitas não se recuperassem no ritmo esperado. A decisão agora confirma a estratégia do governo de atuar preventivamente para conter um eventual desequilíbrio.
Mercado desconfia da eficácia do bloqueio do Governo
Para Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, o anúncio do governo pode causar uma falsa impressão de austeridade maior do que realmente existe. Segundo ele, o bloqueio efetivo foi de apenas R$ 10 bilhões — em linha com as expectativas do mercado — e o restante se refere a um contingenciamento que, historicamente, não tem sido cumprido.
Cruz lembra que em 2024 o governo anunciou um contingenciamento de R$ 25,9 bilhões, mas executou apenas uma fração disso, com liberação posterior de parte dos recursos. “Foi uma falha grave de governança fiscal. E neste ano, os sinais indicam que o mesmo pode se repetir, com ministros priorizando gastos e o Ministério da Fazenda sem capacidade de enforcement”, afirmou. Ele também critica a ausência de medidas efetivas de corte de despesas e o retorno da estratégia de aumento de impostos, apontando que a sociedade está cada vez mais resistente a esse caminho.
Já para o economista Caio Augusto, o anúncio de contenção de R$ 31,3 bilhões no Orçamento está longe de representar um avanço real na condução da política fiscal. Segundo ele, o governo continua subestimando conscientemente o crescimento das despesas e apostando em uma recuperação mágica das receitas para fechar as contas. “Já se sabia que certas despesas cresceriam acima do previsto. O espaço fiscal de R$ 66,3 bilhões mostra que há um desencontro de dezenas de bilhões entre o que se previa e o que há de fato. É maquiagem fiscal”, afirma.
Caio também destaca o risco de judicialização de parte dos bloqueios e contingenciamentos, especialmente em áreas como universidades federais, que já operam com sérias restrições. “Há prédios interditados desde 2023 sem qualquer solução, e agora o governo quer cortar mais. É uma gestão sem prioridades”, criticou. Para ele, o arcabouço fiscal só se sustenta no discurso, já que boa parte das despesas está fora do alcance da regra — como o programa Pé de Meia, financiado por fontes paralelas.
“O que o governo faz é passar verniz em uma estrutura fiscal deteriorada. Não haverá esforço real de ajuste. Em ano pré-eleitoral, os gastos tendem a crescer, não a ser cortados. Em termos fiscais, o governo Lula III já acabou.”
Governo evita enfrentar o real problema fiscal
Na avaliação de Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, o bloqueio de R$ 31,3 bilhões anunciado pelo governo é mais uma evidência de que a gestão fiscal continua superficial e evita atacar o cerne do problema: o custeio elevado e o tamanho do Estado. Segundo ele, o governo opta por adiar decisões impopulares e prefere afetar investimentos nos ministérios, preservando despesas correntes que sustentam a máquina pública. “O governo não está fazendo a lição de casa. Bloquear investimentos não resolve o problema estrutural”, afirmou.
Agostini também criticou a contradição entre o discurso de responsabilidade fiscal e ações como o relançamento do programa Luz para Todos ao mesmo tempo em que se anuncia a elevação do IOF, imposto que onera o crédito num cenário de juros já elevados — os mais altos dos últimos 19 anos. Para o economista, mesmo com esforços para cumprir o arcabouço, isso não é suficiente para frear a trajetória da dívida pública.
“O desafio do Brasil vai além da meta do arcabouço. É preciso reduzir o endividamento com privatizações, reforma administrativa e um novo pacto federativo. Sem isso, o país continuará distante de melhorar seu rating soberano.”