Nos últimos anos, a gentrificação se tornou um dos temas mais urgentes no debate sobre cidades. Antigamente associada apenas à valorização imobiliária, ela agora é alimentada por um novo combustível: os algoritmos.
Com o avanço da inteligência artificial e do big data, o fenômeno ganha contornos invisíveis — mas potentes. Plataformas de aluguel, softwares de precificação e modelos preditivos passaram a influenciar decisões urbanas que afetam diretamente o destino de comunidades inteiras.
O que é gentrificação e como os algoritmos entram nesse cenário?
A gentrificação é um processo de valorização forçada de bairros antes periféricos ou populares, onde moradores de menor renda acabam sendo substituídos por residentes de maior poder aquisitivo. O resultado é um ciclo de aumento de preços, elitização cultural e deslocamento social.
A questão é que hoje, algoritmos de mercado imobiliário como os usados por plataformas de aluguel e investimento conseguem prever com precisão onde esse processo deve ocorrer. Esses sistemas cruzam dados de escolas, segurança, mobilidade, consumo digital e geolocalização para apontar “zonas de potencial”.
Plataformas como o Zillow nos EUA ou ferramentas automatizadas de precificação usadas por empresas como Loft e QuintoAndar no Brasil operam com inteligência de dados que pode antecipar e acelerar processos de valorização — muitas vezes sem considerar o impacto humano.
O caso RealPage: quando algoritmos se tornam cartel digital
Em 2022, uma investigação do The Markup revelou que a empresa norte-americana RealPage estaria operando um software de precificação de aluguéis usado por grandes proprietários residenciais. O algoritmo, alimentado por dados compartilhados entre concorrentes, sugeria valores de aluguel de forma sincronizada — elevando artificialmente os preços.
O caso chegou ao Departamento de Justiça dos EUA, que iniciou um processo antitruste. A crítica central é que os algoritmos estariam funcionando como um cartel digital, onde a competição entre locadores é substituída por coordenação algorítmica — o que compromete a acessibilidade habitacional.
Embora o caso tenha ocorrido nos EUA, ele serve de alerta para o mundo: quando algoritmos influenciam preços e decisões urbanas em larga escala, as consequências para o direito à cidade podem ser devastadoras.
Plataformas digitais e o impacto real no cotidiano dos bairros
Aplicativos como o Airbnb também têm sido associados ao agravamento da gentrificação em bairros centrais. Ao transformar imóveis residenciais em hospedagens de curto prazo, essas plataformas alteram o perfil dos moradores, elevam o valor dos imóveis e reduzem a oferta de aluguel de longo prazo.
Um estudo da Inside Airbnb mostrou que regiões com alta concentração de imóveis na plataforma apresentam queda no número de residentes fixos e aumento nas taxas de aluguel, além de transformações culturais que descaracterizam comunidades tradicionais.

Bairros históricos em cidades como Lisboa, Rio de Janeiro e Barcelona são exemplos clássicos de como a gentrificação digital pode acontecer de forma silenciosa, mediada por apps e dashboards em nuvem.
Inteligência artificial também pode ajudar — se for bem usada
Nem tudo é distopia. Modelos de inteligência artificial e machine learning também estão sendo usados para detectar zonas em risco de gentrificação, oferecendo subsídios a políticas públicas que atuem antes do deslocamento forçado acontecer.
Pesquisadores da MIT Media Lab e da UC Berkeley estão desenvolvendo mapas preditivos baseados em dados censitários, preços históricos, investimentos públicos e movimentações do mercado privado. Cidades como Nova York e Los Angeles já testam essas ferramentas para orientar subsídios, habitação social e preservação de memória cultural urbana.
A chave está no uso ético e transparente desses modelos: quando colocados a serviço da equidade urbana, os algoritmos podem ajudar a proteger — e não remover — as comunidades mais vulneráveis.