O Brasil deve registrar arrecadação fiscal recorde no mês de janeiro. Segundo projeções da Austin Rating, o resultado primário do governo consolidado referente ao período deve ser de R$ 94,84 bilhões, o quarto maior da história para o período. Para economista-chefe da própria Austin Rating, Alex Agostini, mesmo com o resultado do PIB do quarto trimestre mostrando sinais de desaceleração, a atividade econômica continuou forte. Além disso, o governo tem adotado medidas para elevar a arrecadação nos últimos meses, o que também contribuiu para os resultados superavitários.
Impacto na política monetária e na taxa de juros
Sobre a relação entre a arrecadação fiscal e a taxa de juros, Agostini destaca que, se o superávit fiscal fosse recorrente e trouxesse uma indicação clara de equilíbrio das contas públicas, o ciclo de cortes na Selic poderia ser acelerado. Ele cita a avaliação do JP Morgan, que recentemente melhorou a percepção sobre o Brasil para investimentos em títulos públicos, considerando os dados positivos da arrecadação.
No entanto, ainda precisa ter cautela. O economista alerta que os números atuais são pontuais e não indicam um ajuste estrutural na política fiscal do governo. O maior problema, segundo Agostini, é a trajetória de alta da relação dívida/PIB, que segue em crescimento, ainda que de forma moderada.
“O governo precisa dar sinais claros de que vai reverter esse endividamento ou pelo menos estabilizá-lo. Sem isso, o mercado continuará precificando um nível de inflação mais alto e consequentemente um prêmio de risco também maior“, afirmou. Além disso, a manutenção de gastos elevados e medidas parafiscais para cumprir metas de curto prazo têm reforçado a desconfiança dos investidores.
Para Agostini, esse populismo fiscal observado nos últimos meses, com um aumento nas despesas públicas em ano pré-eleitoral, é um fator de risco para a condução da política monetária. A falta de compromisso com um ajuste estrutural gera incerteza e pode manter os juros em patamares elevados por mais tempo.
Comparação com outros períodos
Ao comparar o cenário atual com períodos anteriores de crise fiscal no Brasil, Agostini ressalta que a situação não é tão grave quanto em 2014, quando o descontrole das contas públicas levou o país a uma recessão prolongada em 2015 e 2016.
Naquele momento, o país enfrentou dois anos consecutivos de recessão, algo que não acontecia desde a década de 1930. No entanto, ele pondera que, mesmo que o Brasil não esteja em um cenário semelhante, a trajetória de crescimento da dívida pública continua sendo um problema estrutural que precisa ser enfrentado.
“Hoje, temos um crescimento econômico ainda vigoroso (em torno de 3%), mas sem ajustes fiscais estruturais, o risco é que a situação piore nos próximos anos, já a partir de 2025 (projeção de alta de apenas 1,5% do PIB ), desacelerando para menos da metade do que em 2024“, alerta o economista.
Mercado segue cauteloso
O economista Alex André alerta que, apesar possível da arrecadação fiscal superavitária, o governo continua ampliando os gastos públicos em um momento em que o mercado financeiro exige maior austeridade fiscal. Segundo ele, medidas como o programa Pé de Meia e o Auxílio Vale Gás são exemplos de iniciativas que elevam ainda mais as despesas do governo, intensificando as preocupações sobre a sustentabilidade das contas públicas.
“Não adianta arrecadar mais se temos não só uma das maiores cargas tributárias do mundo, mas também um gasto público excessivo, que pode comprometer o equilíbrio fiscal a longo prazo“, ressalta André. O economista também aponta que, com as eleições de 2026 se aproximando, há um risco crescente de aumento dos gastos, o que pode reforçar a cautela do mercado e pressionar ainda mais o cenário econômico.