Com o governo de Luiz Inácio Lula da Silva é assim: uma no cravo e outra na ferradura. O presidente não engole as concessões que precisa fazer ao mercado financeiro, como cortar gastos públicos – em um cenário no qual os juros sobem porque os investidores estão inseguros diante de um cenário de dívida pública crescente. Diante disso, Lula aceita a contragosto cortar gastos, mas decide – aparentemente por pura birra – usar a mesma oportunidade para divulgar que os trabalhadores que ganham até R$ 5.000 mensais ficarão isentos de pagar imposto de renda, o que vai gerar um rombo fiscal em torno de R$ 45 bilhões anuais.
Lula parece ter pensado: “Vocês querem que eu corte gastos? Pois vão pagar mais imposto”. Não se discute a ideia de diminuir impostos para o trabalhador, que é sempre bem-vinda, embora neste caso demagógica. O problema é o timing. Para contornar o rombo em potencial, o governo anunciou que vai aumentar a taxação de quem ganha acima de R$ 50.000 mensais – e isso gerou insatisfação e insegurança. O dólar subiu na quarta e continuou a inflar durante o dia de ontem, fechando a R$ 6,00. Trata-se da maior cotação nominal que já tivemos na história do Real.
Se o governo deixasse para anunciar que iria cortar impostos de quem ganha até R$ 5.000 em outra ocasião, provavelmente a moeda americana não iria disparar e a medida seria melhor absorvida pelos agentes financeiros, o que deixaria a cotação do dólar em patamares mais palatáveis. O pior é que todo esse fuzuê não vai surtir efeito no curto prazo — os parlamentares já avisaram que esse tópico só será apreciado em 2025 (ou seja, vai valer — se aprovado — para 2026). Portanto, haveria tempo suficiente para se fazer o anúncio em outra data.
Mas Lula não pensa assim. Ele se sente derrotado ao ter de reduzir as despesas do governo. Por isso, quer impor uma derrota a quem o incomodou – e, de quebra, cumprir uma promessa de campanha. Mas os assessores palacianos explicam a medida como uma forma de contrabalançar o pacote que vai economizar despesas públicas, que seria “impopular”. Ora, a população não necessariamente vai achar ruim uma tentativa de diminuir gastos públicos ou buscar mais eficiência na máquina estatal. Mas, enfim, essa é a mentalidade do PT e do PSOL.
Sobre o aumento de impostos: um executivo ou um empreendedor que ganha cerca de R$ 50.000,00 mensais tem uma boa posição social e, sem dúvida, leva uma vida melhor que a da maioria esmagadora da população brasileira. Mas esse é o patamar de um “super-rico”, como andou dizendo o governo por aí?
Quem tem uma retirada deste quilate pode ser classificado como um indivíduo de classe média alta. Mas, para os estrategistas do Planalto, estão no mesmo barco dos bilionários nacionais. Ou seja, um sujeito que tem uma casa e dois automóveis terá o mesmo tratamento de quem possui jatinho particular e apartamento em Nova York.
Isso está certo? Obviamente, essa é uma pergunta retórica.
Toda essa pirotecnia, no entanto, acabou tirando a atenção da falta de potência do pacote que norteia o corte de gastos. Muita gente se perguntou o que a diminuição de despesas públicas tem a ver com essa mudança nos impostos. Na verdade, tem muito. Se o governo tivesse feito a sua lição de casa e colocado o Estado em um tamanho adequado, ele poderia diminuir os tributos cobrados por quem ganha até R$ 5.000 mensais e não precisaria compensar a queda na arrecadação mordendo quem ganha mais. No fundo, é mais uma medida demagógica, que desafoga uns para oprimir outros — muito parecido com o que vai acontecer na reforma tributária, que deve sufocar o setor de serviços nos próximos anos.
Aluizio Falcão Filho foi diretor de redação da revista Época e diretor editorial da Editora Globo, com passagens por veículos como Veja, Gazeta Mercantil, Forbes e a vice-presidência no Brasil da agência de publicidade Grey Worldwide
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