Até quando não quer, o terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva é cada vez mais parecido com a gestão de Dilma Rousseff, incluindo o tipo de desafio a ser enfrentado. Ultimamente, o grande problema do governo é produzir um pacote de corte de gastos públicos para apaziguar os ânimos do mercado financeiro. Se voltarmos no tempo, vamos lembrar que, no início do segundo mandato de Dilma, o ministro da Fazenda era Joaquim Levy e uma de suas propostas iniciais foi a de desenhar um ajuste fiscal que tiraria R$ 26 bilhões do orçamento federal.
Como na proposta de Levy, o governo discute contingências e cortes um tanto superficiais. Mas um ponto chama a atenção: a mudanças de regras no seguro-desemprego, que já deixou os deputados da base petista muito desconfortáveis. Naquela época, as medidas restringiram o acesso ao benefício e deixaram um contingente de dois milhões de pessoas sem condições de pedir o seguro. O ministro chegou a dar uma entrevista ao jornal “Financial Times”, na época, dizendo que o seguro-desemprego estava “ultrapassado”.
Com o descontentamento da esquerda – sem contar no impacto eleitoral temido pelos deputados – o pacote acabou passando raspando no Congresso, com 252 votos a favor e 227 contra. Mesmo assim, o texto aprovado foi constantemente diluído até chegar à versão final. O resultado é que a economia esperada de R$ 26 bilhões ficou muito aquém da meta.
Em 2015, o termo “Faria Lima” ainda não existia. Mas o mercado financeiro já pressionava o governo por contra do descontrole fiscal. Foi por isso que Dilma resolveu escolher Joaquim Levy para comandar a economia e tentar arrumar as finanças estatais, desequilibradas por um déficit público crescente.
Teme-se, agora, que o esforço do atual ministro, Fernando Haddad, tenha um destino semelhante ao de Levy: muita discussão e poucos efeitos práticos. Essa desconfiança existe porque, como em 2015, quem está comandando o show não quer cortar gastos. O Lula de 2024 resiste ao máximo a essa ideia e já avisou que vai promulgar as medidas quando julgar apropriado, para tentar esfriar os agentes financeiros.
O que o presidente está fazendo, no entanto, é procrastinar uma decisão importante. Economistas e banqueiros não vão se esquecer dos desafios fiscais do governo apenas porque Lula quer diminuir a importância do tema. A cotação do dólar continua alta até por conta dessa indefinição.
Há, no entanto, uma diferença crucial entre o cenário atual e o de nove anos atrás. Naquele momento, não havia as chamadas emendas de relator – ou seja, o Parlamento não tinha ingerência direta sobre o orçamento, como tem hoje. Portanto, de nada vai adiantar cortar na carne do Executivo se houver gordura de sobra no Legislativo.
Por isso, muitos deputados cogitam não votar a lei que autoriza os gastos do governo em 2025, que depende da aprovação do Congresso. O que motivou essa ameaça foi o bloqueio imposto pelo ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal, que proibiu o repasse de emendas desde agosto. Mas o movimento ganhou tração após a fala de Lula criticando os parlamentares por não fazerem sua parte e diminuírem a verba destinada aos estados e municípios através do Parlamento.
Para ficar igualzinho ao governo Dilma, só falta uma coisa: uma relação conflituosa com a Câmara Federal. Talvez a discussão em torno do corte de gastos públicos possa ser o estopim que falta para deteriorar uma relação que já não é das melhores.
Aluizio Falcão Filho foi diretor de redação da revista Época e diretor editorial da Editora Globo, com passagens por veículos como Veja, Gazeta Mercantil, Forbes e a vice-presidência no Brasil da agência de publicidade Grey Worldwide
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