Ontem, a “Folha de S. Paulo” dedicou sua manchete a um estudo sobre o funcionalismo público, comparando o cenário brasileiro com o panorama de uma amostra de países. O título da reportagem era: “Brasil possui 65% dos servidores com estabilidade; Suécia tem 1%”. Invariavelmente, a “Folha” é apontada por muitos como uma publicação alinhada à esquerda. Por isso (sendo verdadeira ou não essa percepção), o interesse do jornal da família Frias pelo tema é algo digno de nota.
A reportagem mostra que o Brasil gasta o equivalente a 8,9% do Produto Interno Bruto com salários de seus servidores. No topo da lista está a África do Sul, com 12,6% do PIB. Em seguida, vem a Suécia, mencionada na manchete da “Folha”, com 10,4%. Esses dois exemplos, no entanto, são de países com dimensões muito pequenas se comparadas ao Brasil. Mas o caso do México – uma nação que talvez tenha mais a ver com a nossa – chama a atenção: eles gastam 3,8% do PIB com o funcionalismo.
O custo dos vencimentos dos funcionários públicos em relação à despesa primária de cada país também foi alvo de análise. E é aqui que o Brasil se transforma em um campeão mundial: gastamos 40% de nossa despesa primária com salários públicos. Em segundo lugar, temos o México, com 27%. Suécia e Estados Unidos, por exemplo, cravam o índice de 26%.
Em relação à proporção de funcionários públicos e total de pessoas ocupadas, o Brasil não faz feio na amostra. A Suécia apresenta um número altíssimo: 29,4%, seguida pelo Reino Unido, com 23,6%. Isso quer dizer que, arredondando os números, um entre três suecos trabalha para o setor público e um entre cada súdito do Rei Charles, idem. Por aqui, os servidores representam 12,2% de todos os indivíduos empregados.
A bola levantada pelo título da reportagem da Folha, no entanto, parece ser um dos maiores problemas brasileiros. São 65% dos servidores com estabilidade – e pouquíssimos mecanismos para avaliar conduta e performance. Essa combinação de fatores é algo que pode levar à morosidade e à letargia. Isso não quer dizer, porém, que todos os funcionários públicos sejam encostados. Há muita gente capaz e bem-intencionada na máquina do Estado. Mas o grande entendimento é o de que estes indivíduos formam uma minoria – mas isso, entretanto, pode ser apenas uma opinião de boa parte dos brasileiros.
A estabilidade sem limites, de qualquer forma, leva inevitavelmente o ser humano à acomodação. Curiosamente, o Brasil tem um mecanismo de avaliação dos servidores que está hibernando no Congresso há 26 anos. Entre 1995 e 1998, o governo Fernando Henrique Cardoso promoveu uma reforma administrativa, que previa uma regulamentação no Congresso, mas nunca foi apreciada pelos parlamentares. Alô, alô, Câmara Federal. Vamos destravar essa pauta ou criar uma nova reforma?
Além disso, há uma desproporção na distribuição do número de servidores. Enquanto temos gente sobrando na administração do Executivo, Judiciário e Legislativo, há pouca mão-de-obra em autarquias como o Banco Central e a Comissão de Valores Mobiliários ou agências reguladoras, como a Agência Nacional de Energia Elétrica.
Para piorar, temos 10.000 funcionários públicos em cargos totalmente esdrúxulos como açougueiro, vaqueiro ou – pasmem – vendedor de artesanato. Outro exemplo? Em plena era da inteligência artificial, há gente lotada no serviço público na função de ascensorista, quando há décadas os elevadores funcionam por conta própria.
Outro ponto importante é a quantidade de funcionários que recebem supersalários, principalmente nas áreas administrativas do Legislativo e do Judiciário — e aqueles que atuam na esfera estadual. Temos 0,3% dos servidores que têm vencimentos acima do teto dos salários públicos, que é de R$ 44.000,00 mensais. Parece um contigente pequeno, mas na prática não é. Um estudo feito pelo Centro de Líderança Pública mostra que, se esses indivíduos fossem enquadrados nos limites das regras, a economia anual seria de R$ 5 bilhões ao ano.
Uma reforma administrativa é urgente e necessária. Precisamos de um serviço público mais eficiente e moderno, racionalizando a máquina pública para diminuir a ineficiência e punir incompetentes e negligentes. Além disso, é necessário diminuir o tamanho do Estado. Neste ano, vimos os efeitos perniciosos de um déficit público crescente na economia. É mandatório enxergar esse problema de frente e promover um emagrecimento na máquina estatal. Com isso, a dívida pública vai diminuir, a rolagem dos títulos do governo não vai precisar de juros altos e a pressão arrecadatória vai diminuir.
Todos têm a ganhar com isso – exceto os aproveitadores.
Coluna escrita por Aluizio Falcão Filho jornalista, articulista e publisher do portal Money Report, Aluizio Falcão Filho foi diretor de redação da revista Época e diretor editorial da Editora Globo, com passagens por veículos como Veja, Gazeta Mercantil, Forbes e a vice-presidência no Brasil da agência de publicidade Grey Worldwide
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