O endividamento dos países, especialmente das maiores economias globais, atingiu níveis alarmantes. Roberto Dumas, economista e professor da Insper, apontou em entrevista ao Mercado & Beyond que este cenário não se limita ao Brasil. “Estamos falando de um problema global. Portugal, Itália, Grécia, Espanha e França, entre outros países da zona do euro, também enfrentam sérios desafios”, afirma Dumas. O especialista sugere que a sustentabilidade das finanças públicas está em um ponto crítico.
Com o aumento da dívida pública e o déficit fiscal, os governos enfrentam dificuldades para encontrar soluções a longo prazo. Dumas explica que “os países se veem presos em um ciclo vicioso de endividamento crescente, e a pergunta é: como escapar disso?” O custo de carregamento da dívida, que aumenta à medida que os juros sobem, é um dos principais fatores de preocupação.
Impactos das Políticas Monetárias e Fiscais
Ao analisar a história das políticas fiscais e monetárias dos Estados Unidos e China, Dumas traz um olhar crítico sobre a relação entre crises e as intervenções dos bancos centrais. “Quando o banco central baixa as taxas de juros para aliviar uma crise, ele acaba plantando a semente da próxima bolha. Foi assim nos anos 2000, com a bolha da internet e na crise da pandemia”, explica.
Os efeitos dessas políticas são sentidos globalmente, com a inflação subindo e as economias tentando ajustar suas demandas. Dumas destaca que “os bancos centrais estão agora lidando com as consequências dessas decisões. Após o período de juros baixos, agora estão sendo forçados a aumentá-los para controlar a inflação.”
A Nova Globalização e os Riscos Econômicos
Dumas evita o termo “desglobalização”, preferindo falar em uma “reformulação da globalização”. Ele cita que muitos países estão deixando de depender de um único fornecedor global, como a China, e passando a diversificar suas cadeias produtivas. “Hoje, vemos um movimento de ‘nearshoring’ e ‘friendshoring’, onde as empresas preferem produzir mais perto de casa ou com parceiros de confiança”, explica.
No entanto, essa mudança tem seus custos. “A diversificação dos fornecedores, mesmo que mais segura, torna o processo mais caro. Isso reflete diretamente nos preços, e a inflação se torna mais persistente.” Dumas também comenta o fim do modelo “Just in Time” nas cadeias de suprimentos, mencionando que “a pandemia e tensões geopolíticas evidenciaram a necessidade de estoques mais robustos”.
China e a Crise Fiscal: Um Risco para o Brasil?
Quando questionado sobre os riscos de uma crise fiscal na China, Dumas afirma que a situação é controlada por conta de uma estrutura econômica fechada. “A conta capital da China é praticamente fechada. Não há espaço para uma fuga de capitais como vimos em outras crises, como na Tailândia e Indonésia nos anos 1990”, observa.
Apesar de evitar uma crise fiscal, a China enfrenta problemas de consumo e superprodução. O governo chinês tem redirecionado empréstimos para indústrias estratégicas, como carros elétricos e energia solar, na tentativa de garantir o crescimento econômico. “O problema é que o consumo interno não acompanha esse crescimento. A China depende cada vez mais das exportações”, explica Dumas.
Protecionismo e Geopolítica
O economista também alerta sobre o aumento do protecionismo global. “Com a sobrecapacidade produtiva da China e as tensões geopolíticas, países como os Estados Unidos estão cada vez mais focados em proteger suas indústrias. Isso cria um ambiente de competição acirrada e afeta diretamente o comércio global”, analisa.
Dumas aponta que a situação geopolítica entre China e Taiwan, e a resposta internacional a essa possível tensão, será crucial para o futuro econômico. “Se houver uma escalada entre China e Taiwan, os impactos no mercado de semicondutores e nas cadeias globais de produção serão severos”, afirma.
O Brasil e a Necessidade de Ajuste Fiscal
Voltando para o cenário brasileiro, Dumas faz uma crítica à política fiscal do país. “O Brasil está entre os países mais endividados da América Latina. A falta de controle nos gastos públicos aumenta o déficit primário, que, por sua vez, pressiona a curva de juros”, explica.
Dumas ressalta que “o Brasil precisa entender que gastos excessivos sem retorno são prejudiciais à economia. Não se trata de ideologia, mas de contabilidade. Se o governo continuar gastando mais do que arrecada, a conta virá na forma de juros mais altos e crescimento reduzido”.