De uma hora para outra, a pessoa começa a se sentir cansada, confusa, sonolenta e desorientada. À primeira vista, sintomas como esses sugerem que algo não vai bem no cérebro — e um quadro de demência parece ganhar terreno. No entanto, para uma parcela considerável de pacientes, esses incômodos estão relacionados a problemas em outra parte do corpo: o fígado.
Embora seja pouco conhecida, a encefalopatia hepática está chamando a atenção de especialistas. Eles se preocupam com a falta de diagnóstico adequado da condição e uma probabilidade de aumento no número de acometidos nos próximos anos, em virtude do crescimento da obesidade e de outras enfermidades que afetam o metabolismo.
O que é a Encefalopatia Hepática?
O hepatologista Raymundo Paraná, professor da Universidade Federal da Bahia, explica que a encefalopatia hepática é uma intoxicação do cérebro por substâncias que deveriam ter sido metabolizadas pelo fígado. O fígado é fundamental em processos de digestão e também para metabolização de elementos tóxicos que podem ser prejudiciais ao corpo. Quando ele está doente, esse metabolismo falha, e moléculas como a amônia podem acabar no cérebro.
Um estudo recente publicado no final de junho no periódico The American Journal of Medicine revelou que a encefalopatia hepática pode ser mais frequente do que se imaginava. Os pesquisadores da Universidade Virginia Commonwealth e do Centro Médico de Veteranos de Richmond, nos Estados Unidos, analisaram dados de 68.807 pacientes e descobriram que 12,8% deles tinham indicadores sugestivos de cirrose e potencialmente sofriam com encefalopatia hepática.
“Há casos em que o fluxo sanguíneo para o fígado está prejudicado. Com isso, o sangue desvia para outras áreas, como o esôfago e o estômago, e chega ao cérebro sem passar pelo tecido hepático”, detalha Paraná. Esse quadro pode ser causado por vírus, excesso de gordura, álcool ou outras substâncias danosas ao fígado.
Quais são os sintomas?
Sintomas comuns da encefalopatia hepática:
- Alterações mentais:
- Confusão mental
- Desorientação
- Dificuldade de concentração
- Perda de memória
- Alterações de humor (irritabilidade, depressão, euforia)
- Mudanças de personalidade
- Alterações do sono:
- Insônia
- Sonolência excessiva
- Inversão do ciclo sono-vigília (dormir durante o dia e ficar acordado à noite)
- Problemas motores:
- Tremor nas mãos
- Rigidez muscular
- Dificuldade para andar
- Perda de coordenação
- Outros sintomas:
- Hálito com odor adocicado ou “a amônia”
- Perda de apetite
- Náuseas e vômitos
- Perda de peso
- Edema (inchaço) nas pernas
Como tratar a Encefalopatia Hepática?
O tratamento da encefalopatia hepática envolve várias estratégias que visam impedir que substâncias tóxicas, como a amônia, cheguem ao cérebro. Raymundo Paraná explica que a solução muitas vezes está no intestino. A produção de amônia é em grande parte realizada pelas bactérias presentes no sistema digestivo, e quando o fígado não consegue processar essa substância, ela acaba indo para o cérebro, gerando sintomas.
- Evitar quadros de constipação é uma das principais formas de tratamento. A prisão de ventre aumenta a produção de amônia pelas bactérias intestinais.
- Uso de laxantes específicos, como a lactulona, que diminuem a absorção de amônia.
- Fármaco chamado rifaximina é frequentemente usado para controlar a população bacteriana no intestino.
- Ajustes em medicações, especialmente diuréticos, que podem aumentar a produção de amônia.
- Manter uma alimentação com baixo teor de proteína para reduzir a quantidade de amônia no sistema digestivo.
Há como evitar a Encefalopatia Hepática?
A prevenção da encefalopatia hepática passa pelo cuidado global com a saúde do fígado. O envelhecimento da população, o aumento das doenças crônicas e degenerativas, uso inadequado de medicamentos, abuso de álcool e a transmissão de hepatites virais são fatores que contribuem para a disfunção hepática.
Paraná alerta que muitas doenças do fígado são silenciosas e, frequentemente, os pacientes só percebem os sintomas em estágios avançados. Portanto, é essencial a realização de exames regulares, como testes de função hepática e ultrassom, para monitorar a saúde do fígado.
Em resumo, a encefalopatia hepática, embora pouco conhecida, é um problema significativo que pode ser confundido com outras doenças neurológicas e cognitivas. No entanto, com diagnóstico correto e tratamento adequado, é possível reverter os sintomas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.