O ex-presidente Jair Bolsonaro é um caso raro de político que, sem mandato, não sai das manchetes da grande imprensa. Parte disso, diga-se, é de responsabilidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que não para de falar no antecessor e fica alimentando a fogueira da polarização ideológica que assola o Brasil. Mas qual seria o verdadeiro tamanho do chamado Bolsonarismo?
Trata-se, antes de mais nada, de um número expressivo. Mas talvez não seja tão alto quanto os 58.206.354 votos recebidos pelo ex-capitão em 2022 – uma parte considerável desses sufrágios veio de quem simplesmente rejeita o PT, mas não necessariamente apoia espontaneamente Bolsonaro.
Uma pista para tentar mapear esse universo e tentar quantificá-lo está em uma pesquisa divulgada ontem pelo Datafolha. Esse estudo tinha como tema o aniversário dos 60 anos do golpe militar de 1964. O instituto perguntou a 2.002 pessoas se a data de 31 de março de 1964 deveria ser desprezada ou comemorada. Responderam que a efeméride deveria ser desprezada 63% dos entrevistados; apenas 28% optaram pela comemoração (9% não souberam responder).
Esse resultado reflete bastante a mudança ocorrida no Brasil nos últimos anos.
Essa mesma pesquisa, realizada em abril de 2019, mostrou números bem diferentes. A enquete, conduzida no quarto mês do governo bolsonarista, mostrou que 57% acreditavam que a data do golpe militar deveria ser desprezada, enquanto 36% disseram que o aniversário deveria ser comemorado (7% não sabiam a resposta).
Em 2019, a diferença entre desprezo e comemoração era de 21 pontos percentuais; hoje, esse “gap” é de 35 pontos. Ou seja, em cinco anos, uma massa teoricamente equivalente a 15% dos brasileiros mudou de opinião, achando que o golpe deva ser desprezado em vez de comemorado.
Esses números provavelmente mostram que, em 2019, o Bolsonarismo estava inflado pela vitória nas eleições. Hoje, no entanto, muitos eleitores do ex-presidente se mostram críticos em relação a ele e isso se reflete no posicionamento em relação à data de 31 de março de 1964.
Isso não quer dizer, no entanto, que há 63% de esquerdistas e 28% de direitistas no país. É possível encontrar uma multidão de gente com orientação de Direita que condena a ditadura imposta pelos militares aos brasileiros.
Mas esses números revelam, talvez, o tamanho do conjunto de militantes bolsonaristas – ou pelo menos da Direita com valores mais arraigados. Um naco de 28% da população é enorme. Basta ver a recente manifestação em prol de Bolsonaro na avenida Paulista, que reuniu um volume expressivo de indivíduos. Não vamos entrar em números, pois os métodos de medição de público, hoje, podem criar polêmicas desnecessárias. Mas basta ver as fotos aéreas para constatar que havia um mundaréu de gente na principal via de São Paulo.
Esse ato público, se comparado com o vexame protagonizado pelos eventos convocados pelas lideranças esquerdistas em 23 de março, é bastante significativo. Por isso, fica uma pergunta: só a Direita vai às ruas nos dias de hoje?
O jornal “O Estado de S. Paulo”, no último dia 30, se debruçou sobre esse fenômeno em editorial. “Pesaram para isso [o fracasso dos eventos de 23 de março] também a captura do campo progressista pela pauta identitária, agenda que hoje mais afasta do que atrai progressistas moderados, além das próprias contradições petistas: o envelhecimento do seu ideário, a incapacidade de perceber que as clivagens na sociedade não permitem mais tentar se mostrar como o único representante dos interesses nacionais e a escandalosa associação petista com ditadores. Enquanto achar que sua pauta se confunde com o petismo e planejar seus atos com base no bolsonarismo, a esquerda seguirá produzindo vexames como o que se viu no vazio de março. A ausência nas ruas é um dos sintomas da ausência de boas ideias”, escreveu o editorialista da publicação.
Tanto no Brasil como nos Estados Unidos, a Esquerda se fixou na pauta identitária como se fosse um tema de importância suprema. As reações de conservadores e moderados mostram que existe rejeição contra essa bandeira – e que esse pode ser um fator relevante para explicar eventuais derrotas que democratas e petistas podem sofrer tanto lá como aqui.
*Coluna escrita por Aluizio Falcão Filho jornalista, articulista e publisher do portal Money Report, Aluizio Falcão Filho foi diretor de redação da revista Época e diretor editorial da Editora Globo, com passagens por veículos como Veja, Gazeta Mercantil, Forbes e a vice-presidência no Brasil da agência de publicidade Grey Worldwide;
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