Na semana passada, chamei a atenção para a questão do Risco Brasil, algo que não é novidade e que frequentemente volta a afetar os investimentos de muitos brasileiros que ainda concentram sua poupança apenas no Brasil. Para quem não leu, convido à leitura, pois trata-se de um assunto de extrema importância para todo investidor brasileiro.
Risco-Brasil e a importância de diversificação (avenue.us)
Pois bem, logo após escrever este texto, tivemos mais um episódio que evidencia isso. Se na semana anterior o incidente referia-se à Petrobras, na semana passada tivemos outro evento que mostra essa questão do risco, mas dessa vez envolvendo a Vale.
Um dos conselheiros de administração da Vale, José Luciano Duarte Penido, decidiu renunciar ao cargo por discordar do processo sucessório do atual presidente da empresa. Com isso, ele enviou uma carta à empresa endereçada ao presidente do Conselho de Administração, Daniel Stieler, explicando o motivo de sua saída. A carta é bastante clara sobre os motivos e, resumidamente, relata que o processo de sucessão tem sido manipulado e que sofre “evidente e nefasta” influência política. Abaixo está a carta na qual ele avança em mais críticas ao momento atual vivido pela empresa.
E na sexta-feira ainda tivemos a notícia de que o governo estaria estudando a indicação do ex-ministro Guido Mantega para o conselho da Braskem – Fonte.
Mas muito além da possível interferência na Vale, Petrobras, ou qualquer outra empresa específica, o risco Brasil pode ser visto em diversas esferas. Embora as questões políticas geralmente sejam mais proeminentes e gerem um debate mais acalorado, a verdade é que além do aspecto político, outros eventos podem evidenciar esse risco, que é elevado e não deve ser desprezado por nenhum investidor.
Vou citar três exemplos:
- Apagão em 2001: Durante o período de 1º de julho de 2001 a 19 de fevereiro de 2002, o Brasil enfrentou uma crise nacional que afetou o fornecimento e distribuição de energia elétrica. Em suma, a falta de planejamento, ausência de investimentos em geração e transmissão de energia e principalmente a escassez de chuvas fizeram com que o nível de água dos reservatórios das hidrelétricas baixasse, comprometendo assim a produção de energia elétrica. Na época, 89,6% da energia elétrica brasileira tinha origem hídrica. Como resultado, a economia brasileira cresceu menos, prejudicando as empresas e gerando impactos na bolsa e nos juros do país – e consequentemente nos investimentos dos brasileiros.
- Greve dos caminhoneiros: Em 2018, o Brasil enfrentou uma greve dos caminhoneiros, também conhecida como a Crise do Diesel. Foi uma paralisação de caminhoneiros que protestavam contra os reajustes de preços do diesel, a falta de previsibilidade nos preços dos combustíveis, o fim da cobrança de pedágio por eixo suspenso e o fim do PIS/Cofins sobre o diesel (fonte). A greve durou cerca de 10 dias, mas conseguiu afetar o escoamento das exportações, atrasar entregas de insumos para a indústria e, com isso, afetar o PIB, a inflação e consequentemente os juros e a bolsa.
- Crises Externas: As crises que muitas vezes afetam o mundo e não têm relação direta com o Brasil acabam impactando fortemente os investimentos dos brasileiros. De que forma? Pense na crise de 2008 ou na crise do COVID-19. O impacto vivido pelo investidor brasileiro foi uma forte queda das ações brasileiras (ativos de risco em todo o mundo tendem a performar mal em cenários de grave crise global), a curva de juros brasileira se abre consideravelmente (juros sobem no Brasil), afetando títulos pré-fixados ou ainda os híbridos, como as NTN+. Mas acima de tudo, o que vimos acontecer em momentos de pânico do mercado foi uma forte alta na taxa de câmbio – veja a imagem abaixo.
Artigo Dilema Doméstico: É hora de os investidores olharem para o mercado internacional | PIMCO (Março 5, 2021)
E poderia citar mais exemplos. A questão que se coloca aqui é a seguinte: o investidor brasileiro já tem sua vida muito atrelada ao Brasil e seus riscos… seu emprego, sua empresa, seu futuro. Uma forma necessária de proteção e diminuição desse risco é através da diversificação geográfica de sua poupança e patrimônio; todo investidor brasileiro precisa ter uma parcela do seu patrimônio dolarizada e livre deste risco específico.
E NA ECONOMIA E MERCADO AMERICANO…
O fantasma da Inflação. Esta semana, tivemos atualizações do cenário inflacionário americano. De forma resumida, a leitura dos dados de inflação ao consumidor e produtor que foram divulgados mostraram que a inflação é um fantasma que volta a assombrar os mercados.
A inflação ao produtor americano mais uma vez surpreendeu, vindo acima do esperado pelo mercado (+0,6% versus +0,3% esperado pelo mercado) – o dado já havia apresentado o mesmo comportamento em janeiro. Vale lembrar que o PPI é considerado um indicador antecedente da inflação, pois indica os custos no início da cadeia de abastecimento, ou seja, ao produtor e tende a impactar a inflação ao consumidor. Abaixo está a abertura do dado e o destaque para a evolução dos últimos 3 meses com uma inflação crescente.
Fonte: The Daily Shot – 15/mar/2024
E a inflação ao consumidor subiu 0,4% em fevereiro ante janeiro, tanto no índice cheio quanto no seu núcleo. Nos últimos 12 meses, a inflação acumulada está em 3,2% para o índice cheio e 3,8% para o seu núcleo. Além do dado vir acima, o que preocupa é que, ao analisarmos os últimos meses, podemos dizer que a tendência benigna da inflação se desfez. A taxa anualizada de 3 meses está em 4,3% e a taxa anualizada de 6 meses foi de 3,8%, números bem acima da meta do Fed.
Fonte: Nick Timiraos / X – 12/mar/2024
O passado sendo repetido?
O grande medo do mercado é que estejamos vivendo algo semelhante àquilo que as economias experimentaram na década de 70 e 80. Recapitulando: tivemos o choque do petróleo no início da década de 70; o abrandamento inflacionário que se seguiu, decorrente em grande parte da contração econômica, foi “combatido” com elevados déficits, gastos governamentais e tentativas frustradas de controles de taxas de câmbio após o abandono do padrão ouro. Como consequência, o mundo experimentou outro período de elevada inflação ao fim da década de 70 e início dos anos 80. Não há como dizer que agora será assim, mas para muitos, chega a assustar a semelhança com o momento atual.
Fonte: Jeffrey Kleintop on X – 14/mar/2024
E os juros reagem.
Não por acaso, a curva de juros repercutiu esse recrudescimento da inflação. Observamos os yields dos títulos de dívida voltarem a subir – abaixo, o gráfico das curvas de 2, 10 e 20 anos. Essa tem sido, inclusive, a tônica desde o início do ano, refletindo os dados mais fortes da economia americana.
Fonte: Tradingview.com – 14/mar/2024
E o mercado passa a questionar e a alongar mais as apostas para o início dos cortes de juros aqui nos EUA. O cenário-base pelo mercado ainda é de que o Fed comece a cortar juros em junho, mas crescem cada vez mais as apostas de que os juros possam se manter inalterados até junho – veja a imagem abaixo da evolução do cenário de probabilidade de cortes para junho nas últimas semanas.
Fonte: CME FedWatch – 15/mar/2024
Todas as atenções agora se voltam para a reunião do FOMC na quarta-feira (20/mar/2024), onde teremos a decisão de juros e as projeções econômicas do Fed.
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*William Castro Alves é Estrategista-chefe da Avenue Securities
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